A oração não é
algo que exija que tu viajes grandes distâncias para a encontrar
ou que passes por algum processo rigoroso para a alcançares. Não
é uma luta de subir uma montanha, contigo ofegante, encharcado
na transpiração pelo esforço. A oração é muito mais simples,
muito mais acessível. Tu só tens de tocar fundo, dentro de ti
próprio.
É como um ritmo que está sempre a
tocar, profundamente no teu interior, mas tu mergulhas em
profundidades para o encontrar. Ou é como uma canção que é
continuamente cantada, mas quem é que a está a ouvir? Só parando
para a escutar é que tu a podes ouvir e é a canção de Jesus, a
Palavra de Deus cantando em ti.
Ir profundamente dentro é ir onde
tu queres estar, porque é só nesse nível profundo que a tua vida
encontra significado vital. As coisas superficiais, as coisas da
acção — ir a esta reunião, votar nesta comissão ou mesmo visitar
alguém para o consolar e confortar — todas essas coisas têm
significado se se relacionam com as profundidades do teu ser,
porque é aí dentro que o significado existe ao ritmo da
realidade: o ritmo da respiração em Deus e respiração de Deus.
Se de algum modo nós não respiramos em Deus e não respiramos de
Deus naquilo que nós fazemos, nós pouco nos mudamos a nós mesmos
e às pessoas com quem nos relacionamos. Muitos especialistas têm
mais “know-how” do que nós ao lidarem com problemas sociais,
educacionais, económicos. Mas respirar em Deus e respirar de
Deus para os outros — esta é a minha disciplina (de um curso) na
minha particular natureza humana e deve ser o meu campo de
atenção.
Hoje existem muitas aproximações
no que diz respeito à oração. Essas práticas de meditação
ajudam. É impressionante que nós, no mundo ocidental, estejamos
a mudar a nossa atenção para os tesouros encontrados no Zen e no
Yoga. Mas algo aqui me dá um pequeno toque. Nós, cristãos, somos
como os mineiros a quem foram dados direitos, sem ter de pagar
impostos, sobre uma mina de diamantes. Tudo o que temos de fazer
é cavar aí. Mas nós ouvimos falar de ouro noutras montanhas e aí
vamos nós para a mina de ouro do Zen e de ouro do Yoga. Não
estou a dizer que nós não devamos ir para essas montanhas
procurar ouro. Mas o que é que acontece aos diamantes na nossa
própria mina cristã? Quantos de nós lemos os nossos santos
cristãos, que nos falam como irmãos e irmãs nossos? Eles
convidam-nos a alegrar-nos com eles e a reflectirmos sobre o que
Jesus lhes deu e que eles nos querem ensinar.
Como uma espécie de símbolo do que
é a oração, eu gostaria de tomar a nossa resgatada Catahoula
hound (cadela de caça), Deirdre. Penso que isto não é
irreverente, uma vez que Deus fez uma grande obra ao criar a
Deirdre. Até agora, eu nunca fui capaz de detectar alguma
verdadeira oração nela. De facto, quando quer que seja que nós
nos reunimos para orar, Deirdre sai de ao pé de nós. Ela conhece
todos os sinais e diz para si mesma: isto não é para mim. E vai
dormir. Mesmo assim, eu digo que Deirdre é um bom símbolo para a
oração. E eis como.
Ela está muito engrenada no
momento presente e lança-se a si mesma nele com absoluta
descontracção, tirando dele qualquer átomo de alegria que ele
possa conter. Ela habita o seu mundo canino com classe. Espera o
melhor dele e está completamente alerta para as qualidades
positivas da experiência. Deirdre vive com entusiasmo, um grande
tributo ao seu Criador. Alguém disse de Deirdre: “Eu nunca vi um
cão com tão grande opinião acerca de si mesmo”. Este é um bom
elemento básico para a oração: sê feliz contigo mesmo. Esquece
toda a culpa nesses momentos em que te alegras que Deus seja
Deus e que tu sejas tu.
A Deirdre é muito espontânea,
ainda que ela tenha a sensação de que talvez tu tenhas umas
regras especiais que é melhor que ela obedeça. A espontaneidade
com Deus é também algo que nós raramente nos motivamos a ter.
Nunca ninguém alguma vez orou como tu. Se tu podes
mergulhar profundamente na oração ao caminhar nos bosques, ou
flutuando sobre as imensidões de água, ou estando em cima de um
tractor hora após hora num campo de feno, quem é que te pode
dizer que um quarto silencioso é melhor para orar? A oração é
para todos os lugares. Tu és o orante; e tu não te deves limitar
a ti mesmo, a um lugar ou a uma posição, como estar de joelhos.
Deixa que a oração te envolva em tudo o que fazes.
Deirdre expressa o que é ser um
espírito livre, encontrando gozo nos espaços abertos e nos
cantos escondidos. Oh, como ela é livre! Algumas pessoas dizem
que ela é muito exuberante, mas eu gosto de pensar que ela é
maravilhosamente, loucamente, descuidadamente livre. Talvez eles
tenham inveja.
Com o salmista, cantemos a Deus à
medida que admiramos todas as Suas criaturas, “Tu abres as Tuas
mãos e satisfazes toda a coisa viva” (Salmo 145, 16)
Ir. Margaret Dorgan, DCM
(Tradução de Antonieta Vigário)
(in:
http://carmelitesofeldridge.org/dorgancurrentr.html)
A mensagem de Jesus sobre a dor
A Quaresma é um tempo em que a
Cruz de Jesus nos fala como um símbolo vivo do amor
misericordioso de Deus. Eleva-se como um feixe de luz no cimo da
montanha do Calvário, e os seus raios horizontais esticam-se
para abraçar toda a angústia humana. Mostra-nos que aquilo que
parece ser o fim da esperança é, na realidade, um novo começo.
Santa Teresa
de Lisieux reflecte sobre o sofrimento humano e como este tem
sentido para além da nossa capacidade pessoal de o aguentar. “Eu
aceito com gratidão os espinhos que estão misturados com as
flores”, escreveu ela. Porquê a gratidão? Ela continua, “A minha
alegria é lutar incessantemente para dar à luz filhos
espirituais. Eu continuo a dizer a Jesus “Por Ti... eu sou feliz
porque sofro” (Poesias). Ela está a explicar que a nova vida
pode nascer do ventre da nossa tribulação. Assim, a compressão
da dor que nos tem agarrados dentro das suas cordas esticadas
alarga-se para alcançar os outros nas suas necessidades. A dor
pessoal não está fechada em si mesma mas assume poder
apostólico.
Teresa
declara: “Jesus fez-me compreender que era através do sofrimento
que Ele me queria dar as almas”. Ela não diz que os seus desejos
apostólicos a levaram a um aumento de dor. Ela diz “Jesus fez-me
compreender”. Por outras palavras, a graça iluminou-a para ver
que o sofrimento não era simplesmente devastação mas semente com
fruto. A aceitação verdadeira daquilo que cada dia continha
levou-a a uma “paz tão doce, tão profunda que seria impossível
expressar... esta paz interior tem sido a minha herança, e não
me abandonou no meio das maiores dificuldades” (História de uma
Alma).
Santa
Teresinha reflecte sobre o que é que o sofrimento pode fazer por
nós no tempo, e também espera uma recompensa eterna que pague
aquilo que nós aguentamos. Ela escreve à sua irmã Leónia: “Este
pensamento da pequenez da vida dá-me coragem, ajuda-me a
aguentar a fadiga da estrada... Jesus foi à nossa frente para
nos preparar um lugar na casa do Seu Pai.... vamos esperar... a
hora do descanso está a aproximar-se... alegro-me quando vejo
quanto Deus te ama e te dá as Suas graças. Ele encontra-te
merecedora de sofrer por Seu Amor, e esta é a maior prova de
ternura que Ele te pode dar, porque o sofrimento nos faz como
Ele” (Carta 173). Ela está a dizer-nos que a adversidade tem o
seu trabalho especial a fazer em cada vida humana.
Mas, de que
modo é que o sofrimento nos faz como Deus? Para compreender esta
parte do mistério, vamos aos evangelhos e vemos como Jesus se
relaciona com a aflição. “Depois, começou a percorrer a
Galileia... curando entre o povo todas as doenças e
enfermidades.... trouxeram-lhe todos os que sofriam de qualquer
mal, os que padeciam doenças e tormentos, os possessos, os
epilépticos e os paralíticos e Ele curou-os” (Mt 4, 23-24). Aqui
vemos Deus Encarnado movimentando-se entre nós, revelando o
divino amor num coração humano que bate com compaixão por cada
membro da multidão que O segue. Os doentes eram curados das suas
aflições. No entanto, à sua frente ainda estavam outras aflições
— do corpo, da mente e do coração. O seu desaparecimento através
do toque de Jesus foi só um alívio temporário porque a vida
tinha ainda outras perdas. Teria sido só temporário? O que é que
Jesus faz quando toca uma vida humana? O que é que acontece? O
que é que é tão bom na Boa Nova?
Nós,
cristãos, como os outros filhos do planeta terra, nascemos numa
realidade em que será necessário incorporar a dor e a
lamentação. Aceitamos isto realmente e rejeitamos qualquer
explicação que diz que o nosso sofrimento é uma perda ou está
fundamentado numa ilusão. Para descobrir o sentido dos nossos
sofrimentos, subimos uma montanha onde o Deus-que-se-fez-homem
morre em agonia. Depois desse acontecimento culminante, todo o
resto da história humana tem uma nova iluminação — uma luz
nascida da escuridão do Calvário. Nós vemos o espantoso
espectáculo de um Deus na mais profunda necessidade, lutando em
dor. Santa Teresinha descreve a face de Jesus como “luminosa
.... no meio de feridas e lágrimas” (Carta 95).
O pecado
original foi aceitar a promessa da serpente, “Vós sereis como
deuses, conhecendo o bem e o mal” (Gén. 3,5). E dessa decisão
humana veio o sofrimento e a morte. Quem teria imaginado a
resposta divina a esta traição, em que Deus abraçaria o castigo
verdadeiro imposto pelo pecado: o sofrimento e a morte? Os
salmos cantam vezes sem conta a abundante bondade de Deus, o
amor de Deus que nunca se cansa. No entanto, nós cristãos
cantamos uma misericórdia que não só derrama compaixão mas que
entra na experiência da nossa desolação. Nós temos um Deus
infinito que quis sentir as nossas limitações, mesmo as mais
pequenas.
Jesus não
explica a existência humana desde fora. Ele permitiu a Si
próprio ser limitado pelas fronteiras da humanidade que Ele
partilha connosco. Mas fazendo assim, Ele transforma essas
mesmas limitações e enche-as de poder.
Ele olha para
nós em qualquer incapacidade de andar que nos esteja a agarrar e
a impedir de nos movimentarmos ao seu encontro. As suas palavras
ressoam nos nossos ouvidos. “Levanta-te e anda” (Mt 9,5). Com
este poder a dar-nos energia, nós sabemos que o caminho diante
de nós, sim, neste mesmo dia, com todas as suas dificuldades,
nos leva à vida eterna.
Ir. Margaret Dorgan DCM
(Tradução de Antonieta Vigário)
(in:
http://carmelitesofeldridge.org/dorgancurrentr.html)
Bálsamo para a nossa angústia
Santa Teresa
de Lisieux desejava o martírio como a expressão última da sua
entrega pessoal. Ela escreveu: “O martírio era o sonho da minha
juventude e este sonho cresceu comigo dentro dos claustros do
Carmelo”. Quando pensava nos tormentos descritos para o fim dos
tempos, diz ela, “Gostaria que esses tormentos me fossem
reservados” (História de uma Alma). Uma crítica não
esclarecida pode chamar a estas afirmações, que são eco de
outros santos cristãos, as efusões do masoquismo. Mas o
masoquista relaciona-se de um modo não saudável com o seu
próprio ser prisioneiro, que se alimenta da sua própria
substância interior, com uma dieta contínua de ódio a si mesmo.
O masoquista usa a dor para se libertar de um conflito interior
não resolvido, e sacrifica o bem pessoal e muitas vezes o bem
dos outros. O sofrimento cristão nunca se alimenta de si próprio
e nunca é um fim em si mesmo. Procura soluções saudáveis, mas
quando estas não surgem, torna a angústia pessoal produtiva para
aquele que sofre e para os outros seres humanos, seus
companheiros. As nossas dores estão ligadas a Jesus que “se
tornou obediente até à morte e morte de cruz” (Fil. 2,8).
Vivemos numa
época em que sofrimentos terríveis são trazidos diante dos
nossos olhos através dos meios de comunicação social, que captam
os horrores quase no instante em que eles acontecem. Tem sido
dito que tal comunicação da miséria faz com que a compaixão
ultrapasse o limite.
Isto nunca
teria sido verdade para Teresinha. Quando a acumulação de
horrores chega tão alto ela teria ido, como nós devemos ir, até
Deus que permite tal vida de sofrimento. Ao mesmo tempo, como
ela, nós devemos fazer uso do que quer que seja que aconteça nas
nossas vidas individuais. Pedimos que o sofrimento das vítimas,
inocentes ou culpadas, termine. Pedimos a graça de levar socorro
aos nossos companheiros humanos. Também nos voltamos para a
misericórdia de Deus, quando os que nos rodeiam mostram ser
falhos de misericórdia. Especialmente nós procuramos a face de
Jesus enquanto olhamos para as faces dos nossos irmãos marcadas
pelo sofrimento. Fazendo assim, nós não explicamos o mistério de
tanto sofrimento humano, muitas vezes infligido por outras mãos
humanas. Mas ao nosso próprio pequeno modo, nós entramos no
processo de redenção.
Teresinha
escreve à sua irmã, “Uma vez que Jesus estava sozinho a pisar o
vinho que nos ia dar a beber, em troca, não recusemos vestir a
roupa manchada de sangue. Preparemos para Jesus um novo vinho
que possa saciar a sua sede, que lhe dê amor por amor. Não
guardemos nenhuma gota de vinho que lhe podemos oferecer... No
entanto, a sua face estava escondida. Celina, ela ainda está
escondida hoje, porque, quem é que compreende as lágrimas de
Jesus?” (Carta 108).
Ela levanta
esta questão e nós também.
No nosso
mundo de hoje, Jesus chora por causa do terror e da violência
impostos aos fracos, pela desolação infligida em todas as áreas,
urbanas e rurais, pela violação da beleza da natureza e dos seus
recursos. Toda a criação geme e cada um de nós geme. Mas a nossa
tristeza não é sem esperança. Tem sido dito que nós já estamos
no Céu ou no Inferno de acordo com aquilo que nós escolhemos
nesta esfera temporal.
O poeta Dante
descreveu a parte mais profunda do Inferno como gelado. Não
chamas, mas gelo. Um coração humano rígido na sua própria
friagem, gelando os outros à medida que se relaciona com eles,
dá-nos um sopro do Inferno neste mundo. Não importa o sucesso,
fama ou fortuna tenha atingido. Uma vida humana cuja única
aspiração está centrada em si mesma, cria o seu próprio vazio
gelado. Se a esperança está limitada só aquilo que o tempo pode
dar, a existência humana é de facto deprimente.
O autor da
Primeira Carta de Pedro descreve uma muito diferente espécie de
esperança. Ele assegura-nos, “Ressuscitando
a
Jesus
Cristo
dos
mortos,
Ele
fez-nos
renascer para uma
esperança
viva,
para uma
herança
que
não
se
corrompe,
não
se
mancha
e
não
murcha.
Essa
herança
está
reservada
no
céu
para vós” (1, 3-4). Ele diz “reservada no céu”, mas já nesta
vida nós recebemos a nossa herança. A Igreja dá-nos os
sacramentos que comunicam as riquezas divinas numa especial
força e plenitude da graça. A Primeira Carta de Pedro continua,
“Sem terdes vistes
Jesus,
vós O
amais;
não
O
vedes,
mas
acreditais. E por
isso
sentis
uma
alegria
extraordinária e
gloriosa,
porque
alcançais
a
meta
da
fé,
que
é a vossa salvação” (1, 8).
Na nossa dor,
podemos alegrar-nos? Nós não podemos controlar sempre as nossas
emoções, mas não deixamos que elas apaguem a esperança no nosso
espírito. Sabemos que o nosso sofrimento, encerrado nos limites
do tempo, dará lugar a uma plenitude prometida pelo nosso
Salvador. Como há séculos atrás, o autor da Primeira Carta de
João se dirigiu aos primeiros cristãos, assim também ele se
dirige a nós: “Escrevo
tudo
misto para
que
acrediteis
no
nome
do
Filho
de
Deus,
e terdes a certeza de que tereis a vida
eterna”
(5, 13). Qualquer que seja a nossa angústia, estas palavras
espalham-se como um fragrante bálsamo sobre o nosso espírito que
espera.
Ir. Margaret Dorgan, DCM
(Tradução de Antonieta Vigário)
(in:
http://carmelitesofeldridge.org/dorgancurrentr.html)
Lidando com a ansiedade
Santa Teresa do Menino Jesus é uma
mestra espiritual pragmática, que quer que nós usemos todos os
aspectos da nossa experiência humana por Deus. Com ela, nada é
desprovido de valor. Ela é maravilhosamente capacitada em
transformar o que parece negativo em positivo. Mesmo antes de
fazer dezassete anos, escreve à sua irmã: “Ah! Saibamos
aproveitar, aproveitar os mais pequeninos momentos; vamos agir
como avarentas, e a ser ciosas das mais pequeninas coisas pelo
Amado. Já passou outro ano, e tal como este assim também a nossa
vida passará e brevemente diremos: «acabou». Não percamos tempo;
em breve a eternidade brilhará para nós” (Carta 101). Teresinha
tinha então pouco mais do que sete anos e meio para viver.
Tornar cada
momento valioso significa que centramos a nossa atenção naquilo
em que, no presente, estamos a lidar nas nossas vidas. O que
aconteceu antes e o que virá depois contém a sua própria medida
da graça de Deus. Mas só este <<Hoje>> encerra a graça que nos
está a ser oferecida. Nós centramos a nossa atenção para encarar
este hoje, para o aceitar em toda a sua individualidade e
acolher o que Deus tem guardado neste dia para nós. Este hoje é
a nossa ligação com a eternidade — eternidade, que nascerá para
nós como uma espécie muito diferente de dia —, um dia que nunca
acaba. O movimento do tempo não é assim. Cada hora passa e outra
chega. O ontem foi-se e o amanhã ainda não chegou, e quando ele
chegar este hoje já não existirá. Por isso, nós agarramos cada
hora e deixamos que ela nos mostre o seu tesouro para nós.
A apreensão
acerca do futuro afasta-nos do dom que hoje Deus nos está a
oferecer. Desperdiçamos a nossa energia interior, que devia de
estar centrada na graça que nos está a ser dada. Para receber
essa graça em toda a plenitude de força e de luz, não podemos
deixar-nos levar pelo contínuo arrastão da preocupação. A
ansiedade distrai da mensagem de amor misericordioso que o nosso
Deus nos quer oferecer.
Teresinha
diz, “Jesus dá-me a cada momento aquilo que eu sou capaz de
suportar e nada mais. Se no momento seguinte Ele aumenta o meu
sofrimento, Ele aumenta também a minha força. Eu só sofro por um
instante” (Últimas Recordações). É por pensarmos demasiado no
passado e no futuro que ficamos sem coragem, explica ela.
Mas o que é
que acontece se não somos capazes de não nos preocuparmos? O que
sucede se isto se pega à vida como um intruso que não se vai
embora? Teresinha diria para oferecermos o peso desse intruso
enquanto não nos virmos livres dele. Tu podes pedir a Deus para
estar contigo durante essa visita não desejada. E usa essas
contínuas lembranças para pedir esperança.
A jovem
carmelita sofreu uma intensa purificação espiritual, que é
chamada noite escura do espírito. Foi assaltada por dúvidas
acerca da eternidade — pensamentos indesejados que faziam troça
da sua fé, dizendo-lhe que não existia nada depois desta vida
terrena. A preocupação pode ser aquilo que nos ataca, e ela
motiva-nos a fazer mais actos de esperança e de confiança,
pedindo à misericórdia de Deus para penetrar na nossa
consciência. Ela explica o seu próprio modo de agir: “A cada
nova ocasião de combate, quando o meu inimigo me provoca, eu
porto-me com bravura.... Viro as costas ao adversário sem me
dignar olhá-lo de frente... corro para o meu Jesus” (História de
uma Alma). Quando a ansiedade nos assalta, também nós podemos
tratá-la como um adversário com o qual nos recusamos a lutar.
Não fiquemos envolvidos num diálogo-de-surdos com as
preocupações. Elas enfraquecem-nos e consomem a nossa energia no
que ainda não aconteceu. Elas absorvem as graças do momento
presente. E no entanto, se nós estamos tão cansados com o seu
persistente aborrecimento que não as podemos aguentar,
ofereçamo-las como se fossem um insecto que está a fazer barulho
à nossa volta e que não voa para longe. Usemo-las para centrar a
nossa atenção na misericórdia de Deus.
Podemos usar
este método com tudo aquilo que nos tira a paz. Usemo-lo com as
tentações em toda a sua variedade — com os pensamentos de
orgulho ou de ira, com o que quer que seja que nos solicita com
aborrecidas investidas para nos afastar de Deus. Não nos
empenhemos num duelo directo porque isso seria só pôr essas
imagens mais firmemente na nossa imaginação. Façamos um rápido
voo para a misericórdia de Deus. Uma desejo de ajuda, e digamos:
“Ó Jesus, vem em meu auxílio”. Este recolhimento em paz põe-nos
imediatamente em contacto com Cristo, que está sempre presente
para cada um de nós. Assim se transforma o que é negativo em
positivo.
Teresinha
reflecte também nos sentimentos que estão para além do nosso
controle e diz: “Eu não me permito cair na armadilha” (Últimas
Recordações). Caíste na armadilha? Teresinha conta como abrir a
armadilha é voltar imediatamente para o amor misericordioso de
Deus. Quanto mais nós usamos este método, mais nós ganhamos um
hábito. Quando as tentações ou as ansiedades não desejadas
chegam aos nossos pensamentos, nós damo-nos conta de que estamos
a ir mais rapidamente — quase automaticamente — para a
libertação que a lembrança do amor misericordioso de Deus nos
dá.
Cada um pode
dizer a Jesus: Ainda que eu ande por vales tenebrosos, não
temerei porque Tu estás comigo. Qualquer que seja o vale,
qualquer que seja a escuridão, eu tenho um poderoso Salvador que
me ama. Só a bondade e o amor me acompanham todos os dias da
minha vida (Salmo 23). Diz isso a Jesus...
Ir. Margaret Dorgan, DCM
(Traduzido por Antonieta Vigário)
(in:
http://carmelitesofeldridge.org/dorgancurrentr.html)
Eu não Lhe digo nada, eu simplesmente O amo
A mais recente Doutora da Igreja
deu-nos uma expressão nova das verdades do Evangelho, que me
atrai, porque o seu profundo ensinamento chega-nos através de
palavras simples e de metáforas.
Seguramente, a causa principal da
proclamação doutoral de Santa Teresa de Lisieux é o seu “Pequeno
Caminho de Infância Espiritual”. Antes do Domingo das Missões de
1997 e muito mais notavelmente depois dessa data, encontramos
uma variedade de comentários em livros e artigos que investigam
e aumentam as suas palavras e metáforas sobre o Pequeno Caminho.
A realidade de Deus Pai — todo providente, misericordioso, e
compassivo — sublinhada por Teresa, deu energia a muitos
cristãos contemporâneos na sua caminhada espiritual. Os devotos
de Santa Teresinha continuam a publicar mais e mais literatura
sobre os seus ensinamentos. Eu, porém, deixo essa doutrina a
esses comentadores. Em vez disso, este artigo falará de três
pequenas observações sobre a oração tiradas das palavras de
Teresa. Eu achei que estes textos são ao mesmo tempo espantosos
em significado e em profundidade para a direcção do meu próprio
crescimento espiritual. O primeiro é a sua definição de oração e
os outros são duas pequenas frases — “Tudo é graça” e “Eu não
digo nada, eu simplesmente O amo”. Ambas levam consigo uma
espécie de qualidade de “mantra”, úteis para a minha oração.
Definição da Oração
Lemos a
definição de oração de Teresa na sua História de uma Alma.
De facto, estas frases foram escolhidas como uma definição
oficial, as palavras de Teresa aparecem no princípio do “quarto
pilar” no Catecismo da Igreja Católica. Tantos foram os
santos que escreveram profundos discursos sobre o sentido e os
métodos da oração, e no entanto, a única que captou sucintamente
a vastidão da experiência da Igreja crente, foi a contribuição
não intencional de Teresa. Esta definição não tem semelhança
nenhuma com aquelas tão definidas classicamente em termos de
teologia espiritual. De facto parece que aqui não se encontra
aplicação lógica, nem desenvolvimento intelectual, nem
raciocínio escolástico. A definição de Teresa é artística,
musical e quase poética. Ela chama directamente a nossa natureza
afectiva com estas palavras:
Para
mim, a oração é um surgir do coração, um olhar simples para o
céu. É um grito de gratidão e amor no meio das dificuldades como
no meio das alegrias. É algo de grande, de sobrenatural que
dilata a alma e me une a Jesus.
(História de uma Alma)
Por causa destes pensamentos
profundos parece que Teresinha teria sido ensinada pela
sabedoria com os primeiros Padres orientais da Igreja . O seu
conhecimento, no entanto, é fruto da sua procura de Deus e a sua
resposta à iniciação de Deus dentro do seu coração. Este não é
primeiramente um processo racional ou intelectual nem é um grau
académico exigido a Teresa enquanto ela diz estas palavras. De
facto, a mais nova Doutora foi, para todos os efeitos, ensinada
em casa. Passou um tempo mínimo em instituições de ensino
elementar e não tinha educação secundária formal.
Qual é a
imagem de Deus que invade o coração de Teresa? Certamente, é
filial. Ainda que ela tivesse pouca experiência com as
Escrituras Hebraicas, o hesed ou “bondade amorosa” de
Deus ressoavam dentro dela. Teresa ouviu a palavra de Deus
profundamente.
Assim na sua
oração e nos seus escritos, o adjectivo “bom” aparece mais vezes
do que “não”, e mais vezes que “Deus”, “Pai”, “Jesus” e
“Senhor”. Ela tinha tal atracção pelas pequenas virtudes da
bondade, da simpatia, da gentileza e da paciência que as elegeu
para a sua própria caminhada espiritual.
A todos a
Doutora carmelita ensina um método que atrai (afinal, ela era
uma artista!): ensina a pensar com o coração, um pensar “fora do
esquema”, por assim dizer. O seu modo de oração flui das
experiências de intimidade com Deus, da sua infância. Teresa
conhece Deus como a sua relação mais amada e é assim que ela
reza. Para Teresa, a oração não necessita de palavras; ela tem a
energia própria. Esta relação íntima, iniciada antes da sua
Primeira Comunhão, mostra que o amor é a única coisa necessária
— o verdadeiro vínculo da perfeição como proclamou S. Paulo e
que S. Francisco de Sales reiterava nas suas cartas de direcção
espiritual a Philothea e a Joana de Chantal.
Para Teresa,
esta relação dinâmica de amor é a essência do crescimento
espiritual. O cultivo desta intimidade com Deus é a sua única
ocupação e, como as suas palavras atestam, convida-nos a
imitá-la. É talvez por isto que Teresa foi amada por tantas
pessoas, pouco tempo depois de que a sua autobiografia foi
publicada...
A sua
definição de oração convida-nos a um compromisso pessoal duma
vida pontuada pela oração. Um cristão contemporâneo pode
imaginar o conceito de “surgir” que Teresa usou para definir
oração, imaginando simplesmente uma carga eléctrica ou o pulso
acelerado durante um aumento de pressão sanguínea. O simples
olhar ou “surgir” é intencional mas exige pouco esforço da nossa
parte. Aqueles que sentiram uma tristeza, um dissabor amargo,
uma doença debilitante, ou simplesmente as frustrações da vida
do dia a dia, estão capazes de ver o poder da oração. À medida
que discernimos através dos bons e dos maus momentos, nós
dependemos do veículo da oração para localizar Deus nesse tempo
e encontrar a força que necessitamos para continuar.
Aqueles de
nós que ainda estamos na caminhada espiritual devemos prestar
atenção às palavras de Teresa. Ela ter-nos-ia levado ao coração
este conceito: ama primeiro, fala (ou reflecte) depois. A sua
natureza afectiva tem precedência na sua definição de oração e
assim o coração é quem dirige.
«Tudo é graça»
A segunda frase que me desafia
como um “mantra” — “tudo é graça” — é a verdadeira marca da vida
que é experimentada espiritualmente. Como estou a correr
rapidamente para os “anos do meio”, surpreendo-me frequentemente
a usar esta frase sempre que novos acontecimentos assomam ao meu
horizonte.
Durante o último ano da sua vida —
Teresa tinha vinte e quatro anos de idade quando morreu! — as
destruições da tuberculose pulmonar invadiram o seu corpo. O seu
Desde a sua primeira comunhão, a Eucaristia tinha sido a maior
alegria de Teresa, um tesouro de graça. Agora, porém, ela quase
não pode engolir, e por isso a comunhão do Pão da Vida tornou-se
impossível. Quando lhe perguntaram acerca desta privação, Teresa
respondeu: “Tudo é graça”. Ainda que ela muito desejasse receber
a Eucaristia , ela compreendeu que Deus não tem limites físicos.
Deus não é contido!
A sua profunda fé chamava-a para
encontrar Deus em todos os momentos e a agir com fé profunda.
Por isso, agarrou-se tenazmente a Deus e, então, tudo o que
fazia parte da vida e tudo o que estava para além dela tornou-se
uma graça para ela.
Este “mantra” tem em si uma
qualidade de transformação. Exige que vejamos a vida através das
lentes da Divina Providência. Nós não podemos pôr de lado o
trauma dos acontecimentos do mundo contemporâneo ou explicá-los
simplisticamente, mas podemos aproximar-nos da vida, com uma
profunda reverência para com a presença de Deus dentro de nós e
à nossa volta. “Tudo é graça” torna-se uma resposta de fé, uma
palavra de oração, uma atitude do coração.
Eu não Lhe digo nada, eu
simplesmente O amo
Teresinha passou para além do
conhecimento afectivo da oração para o centro do mistério. Para
quem leva a sério as suas palavras, Teresa retrata a “liberdade
dos filhos de Deus” de um modo que desafia a imaginação mais
fantástica. Uma noite, pouco antes de morrer, a enfermeira
chegou-se ao pé de Teresa na altura da oração e perguntou-lhe,
“O que é que diz a Jesus?” Ela respondeu,: “Eu não Lhe digo
nada, eu simplesmente O amo”. Esta é a resposta a alguém que
pergunte como orar. Obviamente que Teresa sentia necessidade de
um método. E, não é este o último objectivo da oração?
Há três anos, enquanto me sentava
ao lado do túmulo onde Teresa está na capela do Carmelo de
Lisieux, eu convidei-a a ensinar-me. Como muitos dos peregrinos
que ali chegam de todos os lugares, eu fiquei ali o maior tempo
que pude. A Doutora tem uma experiência inaudita para partilhar;
basta que se tenha fome de Deus. A beleza da sua História de uma
Alma é que Teresa nos permite sentarmo-nos a seu lado, a fim de
procurar o conhecimento do coração que dilatará a alma, e
bservar o seu amor que é a sua oração.
Minha Vocação, Minha Missão
Quando se chega a um certo ponto,
existe algo que todos nós temos em comum, quer sejamos novos ou
velhos, nos consideremos importantes ou não tão importantes,
quer passemos o nosso dia num sem número de actividades ou nos
sentemos só a pensar. Todos nós desejamos descobrir a nossa
missão na vida.
Sabemos que Santa Teresa de
Lisieux lutou com este tema. Depois de muita angústia e luta,
ela descobriu que ela seria o amor no coração da Igreja, o amor
no coração do mundo. Com esta descoberta, ela ficou
extraordinariamente feliz.
Existe
outra coisa, no entanto, que Teresa deu a este mundo. Ela
ensinou-nos como receber. Nos seus escritos, ela diz que a
oração não consiste em fazer muito mas em receber muito.
Nós sabemos que Deus está
continuamente a dar-nos, desde o primeiro momento em que
acordamos, e até enquanto estamos a dormir. Quando pensamos
nesta actividade graciosa da parte de Deus, pareceria ser um
triste comentário à vida se não existisse ninguém disponível
para receber o que Deus está dando. Se continuamos a reflectir
sobre isto, depressa nos damos conta que receber também é
apostólico, quer dizer, um serviço aos outros. De que outro modo
viriam os dons de Deus a este mundo?
Mais, com Teresa, recebemos com um
profundo sentido de vazio, ele próprio um tremendo acto de
entrega de si próprio em amor, que leva à união com Deus, e à
união com tudo o que é vida.
Nos dias em que a oração ou a vida
são difíceis, quando nós nos sentimos fora de contacto com o
nosso mais profundo ser, pode ser de grande ajuda e um conforto,
pensar no que Deus, através da intercessão de Teresa, pode estar
à espera de nos dar, num momento particular. Todos nós desejamos
essa rosa tradicional, a rosa que aparece de muitas formas.
Ir Mary Jo Loebig, OCD
Encontrado em
http://showcase.netins.net/web/solitude/current.html
a
2003-10-01 e traduzido do inglês por Antonieta Vigário, para uso
pessoal.
Histórias e espiritualidade
As expressões, “Era uma vez” e
“Veio a acontecer” e “Foram felizes para sempre” normalmente
falam ao coração. São algumas das frases que usamos para contar
histórias. Lembro-me de quando era criança tinha uma cópia das
Histórias de Fadas de Grimm a que eu afectivamente chamava o
meu Livro Azul. Era uma fonte de delícias, não só pelas
histórias que tinha, mas também, como depressa aprendi, pelo
modo como os diferentes adultos podiam ler a mesma história.
Actualmente, também me delicio
contando uma boa história. Hoje, dou-me conta que as histórias
que me inspiram, têm habitualmente algum ponto de contacto com
um aspecto da vida cristã. Por exemplo, a inspiração para este
artigo veio-me de ler uma história de fantasmas do sul, acerca
de um cão Labrador que foi a personagem salvadora de um filho
que estava a lutar para se reconciliar, na sua própria vida
interior, com a parte de extrema e restrita disciplina do seu
pai, que tinha sido coronel do exército.
Reflectindo de modo novo
À medida que nos aproximamos da
Primavera e dos mistérios da Quaresma e da Páscoa, sou levada a
reflectir de modo novo nas histórias que nos são dadas nas
Escrituras. Quando eu estava na Faculdade, um professor de
Inglês afirmou que a história do Filho Pródigo era talvez a
melhor história alguma vez registada. Não podemos senão imaginar
como é que Cristo deve ter contado a história. Pelas Escrituras
que Ele tinha um modo especial de contar histórias. Em Lucas
aprendemos que quando ia a caminhar com dois discípulos no
caminho de Emaús “Ele lhes interpretou todas as Escrituras
acerca das coisas que Lhe diziam respeito” (Lc 24, 27). No
entanto, eles não O reconheceram senão quando Ele partiu o pão.
Escutando-O, os discípulos de Emaús sentiram os corações
ardendo, enquanto Ele falava. Que história magnífica!
Às vezes ouvimos as perguntas,
“OK., qual é a história?” ou talvez mais exactamente, “Então,
qual é a sua história?”. Muitas vezes estas expressões não são
afirmações de cumprimento, mas podem recordar-nos qualquer coisa
mais profunda. Por exemplo, nós podemos perguntar-nos: “Como é
que isto se relaciona com a história de Cristo?”. Certo
professor, que era o Director do Departamento de Filosofia,
encorajava os estudantes a escrever a história das suas vidas.
Ao mesmo tempo, encorajava-os a reconhecer que cada um é
chamado, a seu modo, a unir a sua vida com o mistério pascal,
quer as suas vidas individuais possam ser classificadas como
drama, aventura ou até tragédia.
Talvez, as delícias e o
maravilhoso que nós encontramos quando somos crianças possa
também ser experimentado no reconhecimento da história das
nossas vidas. Não precisamos de ser especialmente talentosos, ou
dotados com acontecimentos extraordinários para contarmos uma
história emocionante. Santa Teresa do Menino Jesus na sua
autobiografia limita-se a escrever sobre as mais vulgares
lutas humanas, as mais pequenas coisas do dia a dia. No entanto,
é claro que ela permitiu a Deus que entrasse nesses encontros de
todos os dias. A sua pequenina história, que lhe foi pedido que
escrevesse em 1894, continua a atrair um enorme número de
pessoas que procuram aprofundar a sua vida espiritual.
Graças a Deus pelas coisas
pequeninas
Será que a história de Santa
Teresinha continua, porque a sua vida se entrelaçou com as
histórias sagradas das Escrituras? Neste tempo de computadores,
televisões, DVD e vídeos, talvez nós necessitemos de nos
ligarmos de novo às nossas próprias histórias, de modo a que as
nossas orações possam ser genuínas e concretas e nos possamos
deliciar com elas e agradecer a Deus as “coisas pequeninas” que,
nas nossas vidas do dia a dia, nos aproximam do sagrado
No Mosteiro, cada uma tem a sua
história particular que narra como foi atraída para a Vida
Religiosa. Talvez como Santa Teresa Benedita da Cruz, nós
possamos recordar um livro especial ou uma pessoa que nos
influenciou profundamente e que teve muito a ver no nosso
processo de decisão. Estas histórias são importantes. No
entanto, tal como quando era criança e me deliciava a observar
as reacções dos diferentes adultos à mesma história, agora dou
comigo a deliciar-me ao perceber como as diferentes histórias
estão entrelaçadas. Esta partilha das nossas queridas e valiosas
histórias podem ter um profundo efeito nos outros. Por exemplo,
eu ainda me lembro da época em que a minha mãe me perguntava
“Então quem é essa Santa Teresa e o que é que ela fez?”. A um
nível mais profundo a questão era: “O que é que atrai o teu
coração para escolheres esse modo de vida, em vez de qualquer
outro?” Afortunadamente, a história de uma freira espanhola do
século XVI era fácil de ligar com a história da vida de Cristo,
e nesse nível havia aceitação e compreensão. A fé da minha mãe
era o elemento unificador.
Santa Teresa de Jesus, que quando
criança gostava de histórias de cavalaria, sublinhava que, como
mulheres de oração, também nós somos chamadas a fazer da
Encarnação o ponto central das nossas histórias de vida. Pode
pôr-se esta ideia por outras palavras: aqueles que partilham a
sua história são chamados a viver as suas próprias histórias,
primeiro e principalmente no contexto da história de Cristo. A
esta luz nós podemos alegrar-nos ao fazermos as nossas humildes
contribuições para as histórias de Santa Teresinha e do Carmelo
no século XXI.
Miriam Hogan,
OCD
(Traduzido por Antonieta Vigário)
(in:
http://showcase.netins.net)
O sofrimento e a graça que o acompanha
O sofrimento é o grande enigma da
vida. O mundo de hoje está sobrecarregado de reportagens de
vítimas de desastres. Sofrer não é apenas um mistério da vida
humana, porque todas as criaturas que respiram se confrontam com
esta realidade ardente. Os animais fazem os possíveis para o
evitar. O mesmo fazem os seres humanos, mas nós vamos mais
longe. Reflectimos sobre o seu significado. Atrevemo-nos a
perguntar porque é que é assim. Cientistas, académicos,
teólogos, artistas e poetas reflectem sobre o seu próprio
sofrimento e todas as dificuldades que experimentamos.
Porquê? Questionam-se. Porquê?
Perguntamos nós. Não é uma questão nova, ainda que hoje nós
tenhamos melhores meios para controlar a dor, para lutar contra
ela. É possível vencer o sofrimento? Não. O sofrimento tem a
última vitória. Mas será que sim?
Todos os sistemas filosóficos
lutaram com este problema. Todas as grandes tradições culturais
ou cada narração lembra-nos que estamos sujeitos à perda. Os
antigos dramaturgos gregos inventaram histórias comoventes que
ainda hoje nos fazem chorar, e nós tomamos as suas palavras de
empréstimo para descrever o forte ataque da desgraça arrasadora.
Ao procurarmos uma saga
emocionante de aflição e adversidade expressa nas Escrituras
lemos o livro de Job, que é uma figura lendária numa história
expressa de forma poética. Ao princípio, tudo é sol brilhante e
prosperidade para Job. Job é feliz e afortunado. E então começa
o relatório. Bois e mulas, ovelhas e pastores, camelos e os que
tomavam conta deles, todos estão perdidos. Os ouvidos de Job
ouvem este estribilho da boca de cada mensageiro: “só eu escapei
para contar o que aconteceu” (1: 15, 16, 17). Finalmente chega a
tristeza principal: os sete filhos de Job e as três filhas
morrem porque uma casa cedeu à força de uma ventania poderosa. E
até o próprio Job é assaltado por feridas graves. Tudo isto nos
capítulos um e dois. Job infeliz e desafortunado. Depois,
seguimos o debate ente Job e os seus amigos que o reprovam;
ouvimos Job, na sua miséria, a falar do Senhor como sábio e
forte (9: 4). E ouvimos a voz de Deus no meio da tempestade.
Finalmente, chegamos à conclusão:
Job é justificado. Tudo é restaurado e mais do que restaurado —
ovelhas, bois, camelos são acrescentados em muito maior número.
E mais sete filhos e mais três filhas! O mesmo número de filhos
e a mesma proporção de rapazes e raparigas. Eu desejaria que o
autor nos tivesse deixado ver Job a lembrar-se dos seus
primeiros dez filhos, lembrando-se de como os tinha amado e os
tinha perdido. Ao olhar para este segundo grupo de filhos, teria
ele dito para si mesmo: “Ela sorri como a irmã mas velha; os
olhos deste fazem-me lembrar os do seu irmão que morreu”?
Nós perguntamo-nos: Porquê? Porque
é que nós perdemos aqueles que amamos? Porque é que acontecem as
catástrofes? O Livro da Consolação, de Isaías, começa com estas
palavras “Consolai,
consolai
o meu
povo,
diz
o vosso
Deus.
Falai
com ternura (40: 1,2)...
porque
és
precioso
para mim, és
digno
de
estima
e ... eu te
amo”
(43: 4). Este mesmo Deus reconhece: “Eu te
provei
na
fornalha
do
sofrimento. Por minha
causa,
só por minha
causa
é
que
eu
fiz
isso”
(48: 10,11). Finalmente, Isaías descreve como o Senhor lida com
os que estão enredados na tragédia. “(Deus)
que
se
compadece
deles
conduzi-los-á e os
guiará
para
onde
há
fontes
de
água.”
(49: 10). “Montanhas,
rompam
em
aclamações,
pois
Jahvé
consola
o seu
povo
e se
compadece
dos seus
pobres”
(13); “...dor
e
aflição
ficarão
para
trás”
(51: 11). “Com
amor
eterno,
eu me
compadeço
de ti,
diz
Jahvé,
o teu
redentor.”
(54: 8). Que mensagem nos é dada por Isaías!
O conforto de Deus dá-nos força. A
palavra conforto vem, do latim fortalecer. O
sofrimento esvazia-nos, e neste vazio nós necessitamos do
conforto que encherá a parte do que foi esvaziada. A Graça vem
até nós como um dom da misericórdia de Deus para nos dizer que
Deus vai refazer o que nós perdemos. De novo Isaías proclama a
sua mensagem de esperança. “O
Espírito
do
Senhor
está
sobre
mim,
porque
Jahvé
me
ungiu.
Ele me
enviou
... para
transformar sua
cinza
em
coroa,
seu
luto
em
perfume
de
festa,
seu
abatimento em
roupa
de
gala”
(61: 1, 3).
Isaías descreve uma viragem
completa e total. Parece que nos está a dizer que a angústia nas
nossas vidas nos dá direito a uma nova alegria. Este é o
trabalho da graça que nos ilumina na nossa aflição. A graça
desperta novas capacidades para reconhecermos a presença de Deus
na nossa dor, e nessa presença está a semente da paz actual
assim como da futura felicidade.
À medida que a morte se
aproximava, Santa Teresa de Lisieux resumiu assim a sua pequena
vida de vinte e quatro anos de existência humana: “A minha vida
não tem sido amarga, porque eu sabia como mudar toda a amargura
em algo alegre e doce” (Últimas Recordações). Este conhecimento
Teresa adquiriu-o não desde o princípio mas através das lutas,
que cada um descobre à medida que a vida se desenrola. Isto não
quer dizer que Teresa não chorasse como nós quando estamos a
viver as dificuldades e a tragédia. Mas a fé e a esperança
animam os nossos corações mesmo quando as lágrimas caem. Porque
tudo o que perdemos nos será dado de novo quando a eternidade
surgir, e o dar-nos conta disso traz luz à escuridão da agonia
terrena.
“Alegrar-me-ei e ficarei alegre na
Tua bondade, pois viste a minha miséria e olhaste por mim na
minha aflição” (Salmo 31: 8)
Ir Margaret Dorgan
(in:
http://carmelitesofeldridge.org
- Tradução de Antonieta Vigário)
O QUE É A GRAÇA?
Graça é uma palavra que nós
encontramos muitas vezes na liturgia, nas escrituras e nos
escritos espirituais. O que é que significa? Para a compreender
melhor, voltemo-nos para uma santa recentemente declarada
Doutora da Igreja, Thérèse de Lisieux. Esta freira carmelita
francesa, que morreu com vinte e quatro anos no fim do século
XIX, não foi formada para ser uma grande académica ou teóloga.
De facto, a sua educação parece muito deficiente se for medida
numa avaliação contemporânea. Ela dava muitos erros de gramática
e de pontuação, mas a sua elevada inteligência e profunda
espiritualidade deixaram-nos páginas que nos levam a lutar por
vidas mais ricas e completas.
“Tudo é graça” (Últimas
Conversas, p. 57). Estas palavras de Santa Teresinha são
muitas vezes citadas. “Tudo é graça” Se ela estivesse a falar
com cada um de nós hoje seria o que ela diria. Ela ouvir-te-ia
contar-lhe como está a tua vida hoje e como é que tu chegaste a
este ponto. Ela não abanaria a sua cabeça em sinal de reprovação
pelas tuas poucas realizações, pelas minhas poucas realizações.
Ela dir-te-ia, dir-me-ia: “Tudo é graça”. Espera um minuto,
Santa Teresa. Ouviste-me realmente? As minhas lutas, as minhas
falhas? – e talvez eu até tenha contado algum dos meus sucessos
para que ela me conheça melhor. Cada um de nós lhe dirá as
esperanças que tinha e que não se realizaram e as esperanças que
ainda tem. E ela nos dirá a ti e a mim: “Tudo é graça”.
Nessas três palavras, Teresa não
quer dizer que não faz diferença o que eu faço, o que eu rejeito
e o que eu escolho. Eu não posso caminhar em direcção a algo que
eu sei que me afastará de Deus. Eu não posso escolher o mal e
pensar que a graça está nessa escolha. Teresa está a explicar
que Deus nunca está distante. Onde quer que nós estejamos Deus
está connosco, completamente preocupado com o nosso bem estar,
disponível quando nós pedimos ajuda e ainda mesmo antes de que
nós peçamos. De facto, Deus está tão presente que mesmo quando
eu escolho o mal, mesmo quando eu me movi para fora da bondade,
para além da abençoada esfera da graça – ainda então a graça me
persegue. A graça alcança-me, dizendo-me insistentemente:
“Volta. Volta para a benção da amizade com Deus”.
Não nos podemos evadir do nosso
Deus. O Salmo 139 pergunta: “Onde posso ir fora do Teu Espírito?
Onde posso ir longe da Tua Presença?” O amor que nos criou nunca
pára de nos suplicar, sempre desejando agarrar-nos no seu divino
abraço. A Graça é o dom de Deus para nós, falando através de
cada circunstância das nossas vidas.
Teresa explica como é que ela
contará a sua história pessoal: “Não é a minha vida propriamente
dita que eu vou escrever; são os meus pensamentos acerca das
graças que Deus se dignou dar-me”. Ela continua, “Para mim o
Senhor tem sido sempre misericordioso e bom, lento na ira e
abundante em amor constante” (Salmo 102, 8) (História de uma
Alma, p. 13, 15). Misericordioso e bom. Uma e outra vez a
palavra misericórdia aparece nos escritos de Teresa. O
primeiro parágrafo da sua autobiografia declara, “Eu começarei a
cantar o que devo cantar eternamente: “As misericórdias do
Senhor” (Salmo 89,1). O que Teresa nos deixou são as reflexões
em como a graça deu forma à sua vida. E isto é um convite a cada
um de nós para reflectirmos nas nossas próprias vidas, para
reflectirmos em como a graça nos moldou ano após ano, ano após
ano.
Vamos lá olhar mais devagar para a
graça. A visão é mais demorada porque estamos a ir até às
Escrituras, para ver o que foi inspirado aos escritores para que
nos digam. No Antigo Testamento, encontramos várias palavras que
contêm o significado de graça. Existe a raiz hebraica “hen”. Num
sentido físico, esta palavra significa inclinar-se sobre, olhar
alguém. Também significa agarrar com bondade, com protecção, com
amor. Contém favor, boa vontade.
A palavra latina para graça,
“gratia” tem múltiplos significados, um dos quais é gratidão.
“Deo gratias” é traduzido por “Graças a Deus”. A Graça como dom
de Deus para nós certamente pede a nossa gratidão. Uma pessoa é
agradecida por ser agraciada. A Eucaristia é um ritual de louvor
que agradece a Deus pela graça que nos é dada no sacrifício de
Jesus Cristo.
Santa Teresa do Menino Jesus
aprecia ser quem é. Pense nisso. Alguma vez agradeces a Deus por
te ter feito a pessoa única que és? Não há orgulho nisto. Tu
estás a ser agradecido e reconhecendo o Único que te desenhou e
formou, o divino Artífice que pegou no material humano fornecido
pela tua mãe e pelo teu pai, e deu ao mundo o que nunca tinha
existido antes: Tu.
Quando ouves o canto “Parabéns
a você” sabes que esta é também uma canção de louvor ao teu
Criador. Celebra quem tu és e pede a Jesus a graça de chegar a
ser o que Deus te chama a ser. Acende as velas!
Ir. Margaret
Dorgan, DCM
In
http://showcase.netins.net/web/solitude/dorgancurrent.html
traduzido por Antonieta Vigário.
SANTA TERESA E A GRAÇA (Parte II)
Santa Teresa do Menino Jesus,
Doutora da Igreja, é a nossa mestra escolhida para nos revelar
as maravilhas da graça de Deus nas nossas vidas. Ela ajuda-nos a
perceber os segredos da acção divina à nossa volta. “Jesus
dignou-se ensinar-me este mistério. Ele pôs diante de mim o
livro da natureza. Eu compreendi como todas as flores que Ele
criou são belas, como o esplendor da rosa e a brancura do lírio
não empalidecem o perfume da pequena violeta ou a agradável
simplicidade do malmequer... Assim é também no mundo das almas.
Jesus quis criar grandes almas, lírios e rosas, mas Ele também
criou as mais pequeninas ... para dar alegria ao olhar de Deus
quando olha para os Seus pés... a perfeição consiste em ser o
que Ele quer que sejamos” (História de uma Alma).
Nem todos podemos ser flores altas
e fragrantes. De facto, nem todos o queremos ser. Nós não
pedimos desculpa a nós próprios ou aos outros por sermos aquilo
que somos. Vale a pena mencionar que a primeira fragrância
relacionada com Santa Teresa do Menino Jesus, o aroma que se
sentiu depois da sua morte, foi o perfume das violetas. Não de
rosas. Violetas. Vamos olhar mais de perto esta flor selvagem –
a violeta ou o malmequer a que Teresa se refere. Uma flor
selvagem apanha alimento do vento e da chuva. Agarra-se ao solo
de um campo exposto ao frio do inverno e ao calor do verão ou
vive na espessura das florestas. Não é mantida numa estufa. A
flor selvagem é muito flexível. Ninguém a vai regar. Aceita o
que o clima sempre mutável lhe traz. Teresa diz destas flores
selvagens que a sua simplicidade atrai Deus. E então continua a
apresentar mais um argumento de que “Deus nelas manifesta a sua
infinita grandeza. Assim como o sol brilha simultaneamente nos
altos ciprestes e em cada uma das pequeninas flores como se só
cada uma delas existisse na terra, assim o Nosso Senhor se ocupa
particularmente com cada alma como se não existisse mais nenhuma
como ela” (História duma alma).
Como são verdadeiras as suas
palavras, porque de facto não existem outras como ela. Tal como
no princípio da criação, agora Deus olha para o que nasceu em
ti, quer tu sejas como uma rosa ou como um lírio ou como uma
flor de trigo e proclama: “Muito bem”. Tão bom que,
continuamente, Jesus fará brilhar o sol do divino amor sobre ti
oferecendo-te os dons contínuos da Sua graça, a cada momento de
cada hora da tua vida. Este é o destino de “todo aquele que é
chamado Meu, aquele que eu criei para Minha glória, aquele que
formei e fiz” (Is 43, 7).
O autor da Epístola aos Efésios
explica: “A graça foi dada a cada um de acordo com a medida do
dom de Cristo” (4, 7). E lendo mais na segunda Epístola a
Timóteo, compreendes quem tu és: “Deus salvou-nos e chamou-nos
com um santo chamamento para o próprio desígnio de Deus e pela
graça que nos é dada em Cristo Jesus antes do início dos tempos”
(1, 9). Deus tem um propósito ao trazer-te à vida. Na oração nós
descobrimos alguns dos segredos desta divina intenção.
Compreendemos mais completamente como é que os acontecimentos
que nos envolvem nos estão a falar e a trazer mensagens de Deus.
Nenhum de nós é perfeito, mas não nos devemos desencorajar.
Santa Teresinha conta: “No princípio da minha vida espiritual...
eu costumava perguntar a mim mesma o que é que eu teria que
lutar mais tarde, porque acreditava que me era quase impossível
compreender melhor a perfeição”. Esta é a concepção errada de
alguém que quer alcançar a santidade com todo o coração e pensa
que a sua visão do que isso supõe é perfeitamente correcta.
Teresa continua: “Aprendi muito depressa que à medida que uma
pessoa avança, vê melhor como o objectivo está longe. E agora
estou simplesmente resignada a ver-me a mim mesma sempre
imperfeita e a encontrar nisso a minha alegria”. Nós não
desistimos de tentar ser melhores mas nunca perdemos a
esperança. Encontramos conforto nas palavras ditas a Isaías:
“Sou Eu, Eu quem se esquece, por amor de Mim, das tuas ofensas.
Não me lembro mais dos teus pecados” (43, 25).
Hesed é uma palavra
hebraica que é usada às vezes nas Escrituras para significar
graça. Significa desejo, ardor, amor. A carmelita francesa fala
dos “dons totalmente gratuitos de Jesus”, e de como “só a Sua
Misericórdia fez nascer tudo o que é bom nela”. Ela celebra o
amor do Criador que vem a nós desejando dar, derramar dons em
abundância. Os seus escritos indicam modos de dar espaço para
que a grandeza da divina graça entre em nós e dirija as nossas
vidas. Como Teresa uma vez repetiu as palavras do salmista,
assim também o podemos fazer agora: “Deus é o meu salvador. O
Senhor apoia a minha vida” (Salmo 54, 6).
Ir. Margaret Dorgan, DCM
In
http://showcase.netins.net/web/solitude/dorgancurrent.html
e traduzido por Antonieta Vigário
A Graça (parte III)
Os primeiros cristãos escolheram a
palavra grega “Kharis” para expressar a natureza do dar-se de
Deus a cada um de nós. Eles poderiam ter usado termos do Antigo
Testamento que significam justiça ou verdade. Mas em vez disso,
eles seleccionaram uma palavra com muitas matizes de
significados.
“Kharis” pode ser o que brilha, o
que agrada ao olhar. Pode referir-se à beleza física, à doçura
da vida, à virtude. Também pode expressar favor, bondade,
liberalidade.
Na realidade, Jesus jamais usou a
palavra que traduzida para o grego dá “kharis”. Não estava no
vocabulário dos seus contemporâneos. A Boa Nova de Jesus Cristo
é toda acerca da graça. Mas as palavras têm todas uma espécie de
vida própria. Aparecem num dado tempo. Um termo será aplicado a
uma realidade particular, e, gradualmente, esse termo assumirá
mais e mais significado. O evangelista João, que escreveu muitos
anos depois dos evangelistas sinópticos, diz no seu Prólogo: “A
graça e a verdade vieram por Jesus Cristo” (1, 17). Não
encontramos a palavra para “graça” em Mateus ou Marcos. Lucas
usa-a com o especial sentido de “favor”. O anjo saúda Maria na
Anunciação: “Alegra-te ó muito favorecida”. Que significa “cheia
de graça”. Maria, não tenhas medo porque achaste o favor de
Deus (ou graça)” (Lc 1, 28,30).
A realidade a que nós chamamos
graça está em todo o lado, em todas as narrativas evangélicas.
Para compreender esta realidade, voltamo-nos para as histórias
que descrevem o poder, o amor sem limites e a compaixão de
Cristo para com as pessoas que Ele encontra.
Santa Teresa de Lisieux não tinha
inveja daqueles que caminharam com Jesus e sentiram a benção da
Sua proximidade tocando as suas vidas com a luz e a graça. Diz
ela: “Estou certa de que Nosso Senhor não disse mais aos seus
apóstolos, através das Suas instruções e da Sua presença física
do que aquilo que nos diz a nós através das Suas inspirações e
da Sua graça”. Ela continua explicando como Jesus toma parte nas
nossas vidas, não só através das nossas qualidades positivas mas
também através da nossa fragilidade. “Jesus podia ter dito a S.
Pedro: “Pede-me a força para cumprires tudo o que queres”. Mas
não, Ele não o fez, porque Ele queria mostrar a Pedro a sua
fragilidade e porque, antes de governar a Igreja, que está cheia
de pecadores, ele tinha de experimentar por si próprio o que uma
pessoa é capaz de fazer sem a ajuda de Deus” (Últimas
Conversas). Ouçamos Teresinha: “...o que uma pessoa é capaz de
fazer sem a ajuda de Deus!”
A graça, no entanto, é muito mais
do que assistência, ainda que certamente seja isso. É também o
poder transformante de Deus afectando a nossa própria
substância. Aqui estamos a referir-nos à graça santificante, que
é chamada “o estado de graça”.
Depois da ressurreição de Jesus,
vemos nos Actos e nas Epístolas, como a primitiva Igreja
explicou a graça como base para a nossa nova vida em Cristo.
Pedro diz aos anciãos de Jerusalém, “Nós acreditamos que seremos
salvos pela graça do Senhor Jesus” (15, 11). Mais tarde, nos
Actos, o apóstolo Paulo partilha connosco a sua compreensão da
sua missão, “o ministério que eu recebi do Senhor Jesus para
testemunhar o evangelho da graça de Deus” (20, 24).
Na Epístola aos Romanos, Paulo
explica que o dom da graça santificante afecta o nosso
verdadeiro ser: “Nós somos mergulhados com Cristo, pelo
Baptismo, na morte, de modo que, como Cristo ressuscitou da
morte para a glória do Pai, nós também possamos caminhar numa
vida nova” (6,4). Ele sublinha a ideia, acrescentando: “o dom
livre de Deus é a vida eterna em Jesus Cristo Nosso Senhor” (6,
23). Paulo está a dizer-nos que nós estamos radicalmente mudados
através de uma regeneração e de um novo nascimento no Espírito
Santo.
A graça é a própria comunicação de
Deus à nossa natureza humana. O infinito tem agarrado a nossa
finitude: nós somos levados a uma santidade que participa da
verdadeira vida de Deus. A graça santificante estabelece uma
nova relação entre Deus e cada um de nós. São João da Cruz
descreve como a graça inunda a essência daquilo que somos.
(Santa Teresa do Menino Jesus diz-nos, que através dos seus
escritos, foi ele, de modo especial, o seu mentor e guia.)
Ensina S. João da Cruz: “Deus desce em misericórdia à alma,
imprimindo e infundindo o Seu amor e graça nela, fazendo-a bela
e elevando-a tão alto de modo a torná-la participante da Sua
própria divindade” (Cântico Espiritual, 32, 4). O que São João
da Cruz quer dizer é que dando a graça, Deus amorosamente eleva
o teu mais profundo ser. Tu não és simplesmente melhor do que
eras – como se Deus acrescentasse alguma quantidade de bondade
natural àquela que já tinhas. Pela graça, Deus muda a qualidade
real do que tu és na tua humanidade. Agora tens um modo
diferente de existir, uma vida nova que é ordenada para a
actividade, para além dos teus poderes naturais ou
comportamentos. A graça é a garantia do teu novo destino e
também o meio para atingir esse destino. Tu tens a capacidade de
ir ao encontro de Deus na fé, na esperança e no amor, uma vez
que toda a tua substância é santificada e ordenada para Deus. A
segunda carta a Timóteo urge: “Aceita a força que vem da graça
de Cristo Jesus” (2, 1).
Sempre que nós experimentamos a
nossa fraqueza – quer seja física, moral ou espiritual – o nosso
Salvador vem fortificar-nos: “Da Sua plenitude todos nós
recebemos, graça sobre graça” (Jo 1, 16).
Ir. Margaret Dorgan, DCM
In
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traduzido Antonieta Vigário.
A graça da conversão (Parte IV)
Na sua autobiografia Santa Teresa
de Lisieux descreve uma graça decisiva que aconteceu no Natal
anterior ao seu décimo quarto aniversário. Ela escreve: “Eu
recebi a graça de deixar a minha infância, a graça da minha
completa conversão”. Nos anos seguintes ela celebrou sempre esta
libertação. Vamos olhar mais de perto este triunfo da graça em
Teresa. Alguém poderia dizer, “conversão. Porquê conversão? Ela
já era uma adolescente muito católica!”. Mas, Teresa diz-nos
porquê: “Ainda que Deus me tenha inundado de graças... eu
continuava a ser muito imperfeita... eu era insuportável por
causa da minha extrema sensibilidade... se acontecia causar
algum pequenino problema a alguém que eu amasse, ainda que sem
querer... eu chorava e depois disso começava a chorar por ter
chorado... Deus tinha de fazer um pequeno milagre para me fazer
crescer num instante”; e ela diz: “Este milagre Ele
realizou-o... Ele fez-me forte e corajosa, armou-me com as suas
armas”.
A graça da conversão. Alguns de
nós podemos identificar nas nossas vidas um momento como o de
Teresa, quando os grilhões caíram. Tornámo-nos livres das
cadeias que nos tinham mantido escravos. Nós estávamos a tentar
andar nos caminhos do Senhor, mas parecia que andávamos muito
devagar e caíamos muitas vezes. Então, a graça veio de repente,
levantou-nos da nossa miséria, libertou-nos das nossas cadeias.
Nós não só podíamos andar, como corríamos. A absoluta gratuidade
da nossa libertação apanhou-nos de surpresa. Uma nova energia
espiritual nos revigorou. Como Teresa podíamos dizer: “[Jesus]
fez-me forte e corajosa, armou-me com as suas armas”. Ela
continua: “A partir dessa noite nunca perdi um único combate ...
mas antes pelo contrário, andei de vitória em vitória... A fonte
das minhas lágrimas tinha-se secado”.
Notem na sua descrição desta
graça, o que ela já tinha tentado. Ela pôs muito esforço. Ela
trabalhou arduamente para ultrapassar a sua extrema
sensibilidade, mas sem sucesso. Então ela conta o momento da
conversão: “O trabalho que eu tinha sido incapaz de fazer, em
dez anos, foi feito por Jesus num instante, contentando-se a si
próprio com a boa vontade que nunca faltava”.
Esta espécie de graça definitiva
altera uma vida, ainda que externamente as mudanças sejam muito
ténues. Todos os esforços humanos que consideramos quase
infrutíferos são preparações para o dom que faz com que tudo
surja com poder e beleza. O sol aparece e brilha com uma luz até
agora desconhecida. Uma energia cheia de força tem sido
comunicada. Na segunda carta a Timóteo, é dito ao discípulo para
“reacender o dom que Deus te deu” (1, 6). Quando somos
inflamados pela graça, tornamo-nos brilhantes e flamejantes pela
virtude.
Para Teresa, a sua conversão de
Natal foi uma das maiores intervenções de Deus. No entanto, ela
era consciente de que a Divina Providência trabalha em todos os
detalhes da nossa vida. Nós podemos experimentar uma grande
conversão, mas a vida também tem outras conversões menos
importantes. A graça dá-nos a capacidade de fazer escolhas
diárias que aprofundam a nossa união com Jesus.
Teresa declara: “Mais do que
nunca, eu compreendo que os mais pequeninos acontecimentos da
nossa vida são conduzidos por Deus. Ele é o Único que nos faz
desejar e que preenche os nossos desejos” (Carta 201). Na sua
autobiografia, ela escreve: “Jesus ensina sem o barulho das
palavras. Eu nunca O ouvi falar, mas sinto que Ele está dentro
de mim a cada momento. Ele está a guiar-me e a inspirar-me o que
devo dizer e fazer”.
A graça dá-nos já o princípio da
vida eterna. A nossa irmã carmelita viu as riquezas desta vida
terrena, ligando cada instante que passa com o sem tempo da
eternidade. Escreveu ela à sua irmã Celina: “Sim, a vida é um
tesouro. Cada momento é uma eternidade ... só existe Jesus que
é; tudo o resto não é. Vamos amá-l’O, amá-l’O até à loucura.”
Como é que o amor expressará esta loucura? A sua carta explica:
“Jesus está a dar-nos a graça extraordinária de nos instruir Ele
próprio e de nos mostrar uma luz escondida. A vida será curta, a
eternidade sem fim... Que todos os momentos da nossa vida sejam
só para Ele; que todas as criaturas só nos toquem de passagem”
(Carta 96). Teresa vê o tempo interagindo com a eternidade, a
terra e o céu unidos. É a graça que une o que é visto tão
distante um do outro.
A graça santificante traz para
dentro de mim uma mudança tão radical que eu posso afirmar ser
já um cidadão do céu. Como Teresa, eu abraço toda a minha
herança. Quando ela diz: “que as criaturas só nos toquem de
passagem”, ela não está a motivar uma rejeição dos seres
criados. Mas como destinados ao céu, nós lidamos com todas as
criaturas de um modo novo e apreciamos a sua bondade sem nos
ligarmos a elas. Nós não nos agarramos a elas tão firmemente que
nos tornemos escravos. Esta é a nossa resposta à nova realidade
que a graça estabelece dentro de nós. Não é o caso de abandonar
as alegrias da terra mas de as vermos como reflexos da alegria
eterna. Na mesma carta Teresa explica o que a existência neste
mundo é para ela: “Há só uma coisa para fazer durante a noite, a
única noite da vida que virá uma só vez, e isso é amar, amar
Jesus com toda a força do nosso coração e salvar almas para Ele,
para que Ele possa ser amado.”
Porém, o que ela chama a única
noite da vida não existe sem alegria. Ela escreve quando a morte
está perto: “Permite-me, durante o meu exílio, as delícias do
amor ... Jesus. Oh Jesus, se o desejo de Te amar é tão
delicioso, o que será possuir e experimentar esse amor?” Para
ela e para nós, a graça abre o nosso espírito ao que nos espera
para além desta única noite da vida.
“O Senhor derramou a sua graça, e
à noite eu cantei a sua canção, uma oração para o meu Deus vivo”
(Salmo 42,9).
Ir. Margaret Dorgan, DCM
In
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traduzido por Antonieta Vigário
Graça e Liberdade (Parte VI)
O nosso Deus Criador chamou-nos do
nada. Com o toque vivificador do seu dedo divino, nós fomos
trazidos à existência. E maravilha das maravilhas, a nossa
humanidade pessoal foi dotada de liberdade, uma impressionante
responsabilidade. A mão criadora, que nos mantém na corrente
contínua da nossa existência, chega até à nossa própria
determinação no seu próprio centro e oferece-nos a muito mais
sublime liberdade da graça. Nenhuma violência é feita à nossa
liberdade. A mais profunda liberdade da graça dá corpo à nossa
mais profunda verdade. Então tornamo-nos no que nós estamos
pensados ser na nossa realidade fundamental.
Santa Teresa do Menino Jesus viu a
verdade acerca de si mesma na sua pequenez e nada. Reconhecendo
o seu nada, ela estava reconhecendo a infinita distância entre a
infinitude de Deus e a limitação de cada criatura. Escreveu ela
a Celina: “Vamos humildemente pôr-nos na fila entre os
imperfeitos. Vamos vermo-nos a nós mesmas como pequenas almas
muito convencidas do nosso nada, Ele estende as Suas mãos para
nós... Sim, é suficiente humilhar-se a si mesmo, para aguentar
as próprias imperfeições. Vamos correr para o último lugar...
ninguém o vai disputar connosco” (Carta 243).
Ela sabe que o último lugar é
último só do ponto de vista humano. Não é o último aos olhos de
Deus. O amor de Deus e a graça vão até este último lugar com
especial eficácia porque nós não o bloqueamos com a nossa
própria importância. A pequenez de Teresa só o é em relação com
a imensidade de Deus. Em comparação com a divina grandeza, a
criatura dissolve-se no vazio interior. No entanto, Teresa sabia
muito bem que ela era muito mais do que nada. O muito mais,
no entanto, era todo de Deus, todo dom, todo graça.
O vocabulário das primeiros
escritores espirituais podem dar-nos palavras que não são
completamente bem vindas nos dias de hoje. Tendemos a sublinhar
que nós somos algo e que nós temos como objectivo ainda
ser mais. Santa Teresa do Menino Jesus concordaria de todo o
coração. Cada um de nós é verdadeiramente algo. (Nós até
podemos ser designados como “algo mais” quando espantamos os
outros com um comportamento não esperado.)
Mas se nós nos deixamos cativar
pelo centrar-se em nós próprios, pelo egoísmo, pela absorção na
ambição e no prazer, então nós estamos ligados a um nada
afastado de Deus. E tristemente, não estaremos mais em casa com
Deus. O Único que vivia dentro, como um hóspede acarinhado, é
tratado como um estranho que recebe pouca ou nenhuma atenção.
Pelo contrário, nós ouvimos as vozes que chamam a nossa
necessidade de plenitude, prometendo-nos que o poder, a luxúria
e a fama podem aliviar a dor fundamental do vazio dentro de nós.
Isto é a escravidão que tenta encher o vazio humano ainda com
mais vazio.
Muito diferente é o tipo de nada
que Teresa afirma: “O que agrada mais a Deus é que Ele me vê,
amando a minha pequenez e a minha pobreza, a esperança cega que
eu tenho na Sua misericórdia” (Carta 197). O seu nada é um
espaço luminoso aberto para receber o terno derramamento do
divino amor. Diz São João da Cruz: “Os humildes são aqueles que
se escondem no seu próprio nada”, mas ele acrescenta também que
eles sabem como se abandonar em Deus. Numa carta a uma irmã
carmelita ele declara que: “Os pobres em espírito são mais
felizes, porque em todas as coisas eles encontram a liberdade de
coração” (Carta 16). Ele e Teresa não estão a descrever
um vazio vago mas um vazio que está sempre receptivo à plenitude
que Deus quer dar.
A inclinação e servidão a hábitos
pecaminosos criam um centro interior de vazio que faz eco com os
nosso gritos de “eu quero”, “eu tenho de ter”, “eu agarrarei
isto a qualquer custo”, “para mim e para os outros”. Com a graça
nós deixamos este estado de escravatura para nos tornarmos
livres, para respirarmos com o sopro do Espírito Santo. As
criaturas já não nos põem algemas: “Foi para a liberdade que
Cristo nos libertou” (Gal 5,1).
Vemos a marca do Criador em tudo o
que é criado. Cheiramos a fragrância deixada pelo toque divino.
As criaturas tornam-se mais uma revelação da beleza de Deus. A
graça abre os nossos olhos para a sua verdade. Não somos mais
seduzidos pelas distorções que o imoderado desejo ardente impõe.
Teresa do Menino Jesus escreve as
seguintes palavras como se elas fossem ditas por Jesus: “Eu não
estou a dizer que uma pessoa se deva separar completamente das
criaturas, desprezar o seu amor, a sua simpatia, mas, pelo
contrário, devem aceitá-las de modo a agradar-me, porque
separar-se das criaturas só serviria uma coisa: andar e
perder-se nos caminhos deste mundo” (Carta 190).
Um Deus que é todo amor fez um
mundo que pede muito o nosso amor. E Deus fez-nos merecedores de
sermos amados. Santo Agostinho diz numa única frase,
dirigindo-se a Deus: “Porque Tu me tens amado, fizeste-me
amável”.
A Graça liberta-nos das algemas e
aumenta o nosso poder para amar e para encontrar alegria nas
criaturas. E a graça atrai a afeição dos outros para nos amarem.
Quando Santa Teresa do Menino Jesus nos pede para reflectirmos
no nosso nada, ela vê-o chamando a divina misericórdia para nos
formar, de modo a que cada um possa realizar o especial desígnio
que Deus tem sobre as nossas vidas: “Eis o que diz o Senhor que
te fez, o teu construtor que te formou desde o seio materno, Não
tenhas medo... não te perturbes... Tu és minha testemunha” (Is.
44, 2,8)
A Graça dá-nos verdadeira
liberdade em Jesus: “Se o Filho vos faz livres, vós sereis
verdadeiramente livres” (Jo 8, 36)
Ir. Margaret Dorgan
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traduzido por Antonieta Vigário
Primeiro milagre de Teresa aconteceu
na Madeira, na noite da sua morte
Ao anoitecer do dia 30 de Setembro
de 1897, na enfermaria do Carmelo de Lisieux, a Ir. Teresinha do
Menino Jesus e da Santa Face entra na fase terminal da sua
prolongada e dolorosa doença.
No meio de indizíveis sofrimentos
físicos e espirituais, que aceitou heroicamente até ao fim,
irrompe dos seus lábios moribundos o derradeiro grito de amor:
“Não me arrependo de me ter entregue ao Amor. Meu Deus, eu
amo-Vos. Oh! Amo-Vos!” (Caderno Amarelo).
Pouco depois, com o rosto
transfigurado e iluminado por inexplicável luz celeste, falecia
santamente. Tinha 24 anos de idade e nove de vida consagrada na
Ordem de Nossa Senhora do Carmo.
O seu belo sorriso e a novidade da
espiritualidade da infância, narrada na sua autobiografia –
História de uma Alma – depressa conquistaram o mundo.
Mas, em 1897, era ainda muito pouco conhecida fora dos muros do
seu Carmelo. Desejava “passar o céu a fazer bem sobre a terra.
”. O seu mais profundo e ardente desejo de ajudar os seus irmãos
começou logo após a morte.
A força da oração – uma chuva de rosas
Estávamos em 1897. A Ir. Virgínia
da Paixão, a humilde religiosa do Mosteiro das Clarissas de
Nossa Senhora das Mercês no Funchal, encontrava-se gravemente
doente, devido a uma queda nas escadas. Esta enfermidade fazia-a
sofrer imenso, não só pelas dores físicas, mas pela relutância
que experimentava em deixar-se examinar pelo médico. Com a força
das dores não conseguia conciliar o sono. Na noite de 30 de
Setembro, sentindo aumentar os sofrimentos, pediu ao Senhor que
a curasse por intercessão da primeira alma que entrasse naquele
momento no Paraíso. A resposta do céu não se fez esperar.
Narra-nos a Madre Virgínia nos seus escritos:
“Senti uma mão invisível que me
tocava e vi junto do meu leito uma religiosa vestida de hábito
pardo, manto branco e véu preto na cabeça. Conheci que não era a
nossa enfermeira. Verifiquei que era uma religiosa nova e muito
formosa. Perguntei-lhe quem era. Referiu que Jesus, respondendo
à minha súplica, a tinha enviado para lhe dizer ser sua vontade
me submetesse ao exame clínico prescrito e me deixasse tratar.
Ela seria a minha fiel enfermeira. Por fim, sorriu e disse: o
meu nome é Teresa do Menino Jesus e da Santa Face, que acabo a
vida mortal e entro já no Paraíso. Pediu-me segredo e
desapareceu”.
A Madre Virgínia refere que o
médico fez a intervenção cirúrgica recomendada e que Santa
Teresinha do Menino Jesus foi a sua fiel e dedicada enfermeira,
curando-a milagrosamente. Após a intervenção sobrenatural, a
Madre pôde participar em todos os actos comunitários no dia de
S. Francisco, 4 de Outubro desse ano. Clinicamente era
inexplicável como em tão pouco tempo se realizou a prodigiosa
cura.
Amizade sacramental
Madre Virgínia Brites da Paixão e
Santa Teresinha do Menino Jesus nunca se conheceram pessoalmente
nesta vida. As duas religiosas contemplativas pertenciam a
famílias religiosas distintas: uma foi clarissa e a outra
carmelita. Privilegiavam uma herança comum na diversidade e
riqueza carismática: a vida contemplativa que é património
espiritual da humanidade. A clausura das religiosas
contemplativas não impede o abraço universal do amor fraterno e
cósmico até à doação da própria vida; antes o potencia
admiravelmente.
A partir daquele feliz 30 de
Setembro, Teresa de Lisieux e Madre Virgínia ficam juntas para
fazer descer sobre o mundo uma chuva de rosas. Nos escritos da
clarissa madeirense deparamos uma referência que nos surpreende.
Durante a primeira Guerra Mundial,
com Santa Teresinha já na eternidade, a Madre Virgínia é
interpelada na mesma Fonte do Amor, a rezar e a acompanhar os
soldados que se encontravam sob os horrores da guerra.
Foi assim que, em oração, a Madre
Virgínia viu a Ir. Teresinha do Menino Jesus, a ajudar e a
consolar, com “extremo carinho”, os soldados prestes a morrer no
meio de grandes sofrimentos. Na derradeira indigência da
fragilidade e limitação humanas – o sofrimento e a morte – as
duas religiosas abrasadas pela mesma e ardente caridade, unem-se
para prodigalizar cuidados e palavras de consolação aos
infelizes soldados caídos no campo de batalha. Teresa, estando
na glória, não esquece os sofrimentos dos seus irmãos. A humilde
religiosa clarissa, ainda na terra, oferecendo todos os seus
sofrimentos, orações e sacrifícios por todos os irmãos vivos e
defuntos, partilha, com Cristo e com a sua terna Irmã do Carmelo,
o admirável mistério da Redenção.
A Eucaristia – fonte de comunhão
A
Eucaristia é o maior milagre do Amor que realiza de uma forma
singular a admirável comunhão entre o céu e a terra. A caridade
do Sangue de Cristo é fonte inesgotável de Vida em comunhão,
que, nos santos, é intensamente testemunhada e revelada.
Santa Teresinha do Menino Jesus e Madre Virgínia Brites da
Paixão, configuradas com Cristo, não se distanciaram de nós pela
irmã morte nem na contemplação da visão trinitária. Pelo
contrário, vivem a verdadeira Vida e continuam connosco,
louvando, intercedendo e derramando bênçãos divinas sobre o
mundo.
A graça da visita das suas
relíquias à nossa diocese do Funchal evoca a missão de passar o
céu a fazer bem sobre a terra. Santa Teresinha traz um sorriso
no olhar, um Cântico de Amor no coração e um recado urgente a
todos os filhos da Igreja, em especial às crianças e aos jovens:
«Sede pequeninos e vivei o
Evangelho. Não tenhais medo. Entregai-vos sem reservas ao Amor
de Jesus Cristo!».
Ir. Maria da Cruz, osc
clarcaldeira@aeiou.pt
A Grandeza da Pequenez
São três os traços que podem caracterizar S. Teresinha do Menino
Jesus, a jovem Santa Carmelita: Contemplativa, Padroeira das
missões e Doutora da Igreja.
1. Contemplativa
Seguir os passos de Teresinha leva-nos a Jesus, nosso irmão.
Através dela encontramos Jesus, a sua força e o seu amor.
2. Padroeira das missões
Teresinha enche-nos do Espírito Santo para que ousemos propor e
anunciar a fé, aqui e agora.
3. Doutora da Igreja
Ela ajuda-nos, na vida do dia a dia, a redescobrir o rosto do
Pai, cheio de misericórdia, ternura e perdão.
Além disso, Teresinha é uma Doutora muito jovem.
Entre os Doutores da Igreja, S. Teresa do Menino Jesus e da
Santa Face, é a mais jovem. Porém, o seu itinerário espiritual é
cheio do Espírito Santo que se revela na sua maturidade. As
intuições da fé, expressas nos seus escritos são tão vastas e
tão profundas que a habilitam a tomar parte entre os grandes
mestre espirituais.
«O Caminhinho», caminho de
confiança e de entrega total de si mesma à graça de Deus é
verdadeiramente exigente; aliás, como todo o Evangelho.
O seu «caminhinho»
é uma via de abandono plenamente confiante na misericórdia
divina, que torna mais fácil o compromisso espiritual mais
rigoroso.
Teresa de Lisieux é uma santa que permanece
jovem. Apesar dos anos, permanece jovem. E como tal propõe-se
como modelo e guia para os cristãos do nosso tempo.
Em carta ao Padre Bellière, de 18 de Julho de
1897, escreve; «Quando eu estiver no
porto ensinar-lhe-ei como deve navegar pelo alteroso mar do
mundo, cheio daquela confiança e amor de criança que sabe que o
seu pai a ama e jamais a abandonaria em hora de perigo. Ah!,
como desejava fazer-lhe compreender a ternura do coração de
Jesus e quando de si Ele espera!»
As Relíquias de S. Teresa de Lisieux
[...] Dentro de pouco — e ao longo
destas datas jubilares — as relíquias de S. Teresinha viajarão —
como já vem sucedendo desde há alguns anos —, por diferentes
lugares e países. Por causa disso hão-de surgir alguns
comentários mais ou menos infelizes: «Deixem S. Teresinha em
paz...»; «Será mesmo necessário fazer esta maratona com o corpo
duma defunta?...». Estas e outras opiniões geniais hão-de ser
ditas, reditas e publicadas.
Descansar? Já dissemos atrás que
Teresinha não pode fica quieta. Entre as novas aportações
teológicas e espirituais que ela trouxe aos nossos tempos
encontramos um que vira ao contrário as ideias que tínhamos
sobre a vida depois da morte: A eternidade não é um sono
agradável sem mais. Teresinha morreu aos 24 anos, mas a sua
missão não estava terminada
«Não poderei descansar enquanto
ainda houver uma alma por salvar.
Não penso ficar de braços cruzados
no Céu.
O meu desejo é continuar a
trabalhar pela Igreja e pelas almas.»
É o que ela anda a fazer há mais
de cem anos. Ficar quieta? Isso não é para santa Teresinha!
Mas, e as relíquias? A Igreja
sempre colocou nos altares os corpos dos mártires. E isso desde
as origens... (Então, porque não haveríamos nós de as venerar?)
Por outro lado, não é significativo que os fiéis mais simples
jamais façam perguntas críticas sobre este particular? Será,
talvez, apenas próprio das crianças e dos que se lhes parecem,
conservar e venerar tudo o que lhes recorda aqueles a quem a
amaram?
Em primeiro lugar o seu corpo.
Basta ver a alegria de todos os ‘humildes’ em todos os lugares
por onde passam os seus restos. É um sinal que não engana, visto
que os pobres e os simples não costumam ter possibilidades de
peregrinar até Lisieux.
É verdade que o verdadeiro lugar
onde S. Teresinha repousa não é o seu caixão. Porém, a Igreja e
os corações simples das pessoas que a elas dirigem as suas
orações aceitam dela mesma a sua compaixão e oferecimento, pois
ela deseja oferecer-nos a sua ajuda para salvação do mundo. Não
devemos surpreender-nos que isto exista na Igreja, nem que
existam tais pessoas nos lugares por onde passa o seu relicário.
Na verdade o veado sedento procura
as águas frescas.
Godfried Danneels,
Cardeal-Arcebispo de Malines-Bruxelas
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