«»

 

 

 

 

 

Textos

 
Santa Teresinha
do Menino Jesus

Site Oficial da visita das Relíquias da
Santa Teresinha do Menino Jesus a Portugal

   
 

Saudação    Programa    Carta    Cronologia    Fotos    Desenhos    Devocionário    Lojinha
Testemunhas 
  Passo a Passo    Rosas    Pétalas    Textos    Links    Livro de Visitas

 

 

 

 


TEXTOS

  A Oração é em qualquer momento
  A Mensagem de JESUS sobre a dor
  Bálsamo para a nossa angústia
  Lidando com a Ansiedade
  Eu não Lhe digo nada, eu simplesmente O amo
  Minha vocação, minha missão
  Histórias e Espiritualidade
  O sofrimento e a graça que o acompanha
  O que é a Graça?
  Santa Teresinha e a Graça (parte II)
  A Graça (Parte III)
  A graça da conversão (Parte IV)
  Graça e Liberdade (Parte VI)
  Primeiro Milagre
  A Propósito


A Oração é em Qualquer Momento
(
«A oração é um impulso do coração» — Santa Teresinha)

A oração não é algo que exija que tu viajes grandes distâncias para a encontrar ou que passes por algum processo rigoroso para a alcançares. Não é uma luta de subir uma montanha, contigo ofegante, encharcado na transpiração pelo esforço. A oração é muito mais simples, muito mais acessível. Tu só tens de tocar fundo, dentro de ti próprio.

É como um ritmo que está sempre a tocar, profundamente no teu interior, mas tu mergulhas em profundidades para o encontrar. Ou é como uma canção que é continuamente cantada, mas quem é que a está a ouvir? Só parando para a escutar é que tu a podes ouvir e é a canção de Jesus, a Palavra de Deus cantando em ti.

Ir profundamente dentro é ir onde tu queres estar, porque é só nesse nível profundo que a tua vida encontra significado vital. As coisas superficiais, as coisas da acção — ir a esta reunião, votar nesta comissão ou mesmo visitar alguém para o consolar e confortar — todas essas coisas têm significado se se relacionam com as profundidades do teu ser, porque é aí dentro que o significado existe ao ritmo da realidade: o ritmo da respiração em Deus e respiração de Deus. Se de algum modo nós não respiramos em Deus e não respiramos de Deus naquilo que nós fazemos, nós pouco nos mudamos a nós mesmos e às pessoas com quem nos relacionamos. Muitos especialistas têm mais “know-how” do que nós ao lidarem com problemas sociais, educacionais, económicos. Mas respirar em Deus e respirar de Deus para os outros — esta é a minha disciplina (de um curso) na minha particular natureza humana e deve ser o meu campo de atenção.

Hoje existem muitas aproximações no que diz respeito à oração. Essas práticas de meditação ajudam. É impressionante que nós, no mundo ocidental, estejamos a mudar a nossa atenção para os tesouros encontrados no Zen e no Yoga. Mas algo aqui me dá um pequeno toque. Nós, cristãos, somos como os mineiros a quem foram dados direitos, sem ter de pagar impostos, sobre uma mina de diamantes. Tudo o que temos de fazer é cavar aí. Mas nós ouvimos falar de ouro noutras montanhas e aí vamos nós para a mina de ouro do Zen e de ouro do Yoga. Não estou a dizer que nós não devamos ir para essas montanhas procurar ouro. Mas o que é que acontece aos diamantes na nossa própria mina cristã? Quantos de nós lemos os nossos santos cristãos, que nos falam como irmãos e irmãs nossos? Eles convidam-nos a alegrar-nos com eles e a reflectirmos sobre o que Jesus lhes deu e que eles nos querem ensinar.

Como uma espécie de símbolo do que é a oração, eu gostaria de tomar a nossa resgatada Catahoula hound (cadela de caça), Deirdre. Penso que isto não é irreverente, uma vez que Deus fez uma grande obra ao criar a Deirdre. Até agora, eu nunca fui capaz de detectar alguma verdadeira oração nela. De facto, quando quer que seja que nós nos reunimos para orar, Deirdre sai de ao pé de nós. Ela conhece todos os sinais e diz para si mesma: isto não é para mim. E vai dormir. Mesmo assim, eu digo que Deirdre é um bom símbolo para a oração. E eis como.

Ela está muito engrenada no momento presente e lança-se a si mesma nele com absoluta descontracção, tirando dele qualquer átomo de alegria que ele possa conter. Ela habita o seu mundo canino com classe. Espera o melhor dele e está completamente alerta para as qualidades positivas da experiência. Deirdre vive com entusiasmo, um grande tributo ao seu Criador. Alguém disse de Deirdre: “Eu nunca vi um cão com tão grande opinião acerca de si mesmo”. Este é um bom elemento básico para a oração: sê feliz contigo mesmo. Esquece toda a culpa nesses momentos em que te alegras que Deus seja Deus e que tu sejas tu.

A Deirdre é muito espontânea, ainda que ela tenha a sensação de que talvez tu tenhas umas regras especiais que é melhor que ela obedeça. A espontaneidade com Deus é também algo que nós raramente nos motivamos a ter. Nunca ninguém alguma vez orou como tu. Se tu podes mergulhar profundamente na oração ao caminhar nos bosques, ou flutuando sobre as imensidões de água, ou estando em cima de um tractor hora após hora num campo de feno, quem é que te pode dizer que um quarto silencioso é melhor para orar? A oração é para todos os lugares. Tu és o orante; e tu não te deves limitar a ti mesmo, a um lugar ou a uma posição, como estar de joelhos. Deixa que a oração te envolva em tudo o que fazes.

Deirdre expressa o que é ser um espírito livre, encontrando gozo nos espaços abertos e nos cantos escondidos. Oh, como ela é livre! Algumas pessoas dizem que ela é muito exuberante, mas eu gosto de pensar que ela é maravilhosamente, loucamente, descuidadamente livre. Talvez eles tenham inveja.

Com o salmista, cantemos a Deus à medida que admiramos todas as Suas criaturas, “Tu abres as Tuas mãos e satisfazes toda a coisa viva” (Salmo 145, 16)

Ir. Margaret Dorgan, DCM
(Tradução de Antonieta Vigário)

(in:
http://carmelitesofeldridge.org/dorgancurrentr.html)
 

A mensagem de Jesus sobre a dor

A Quaresma é um tempo em que a Cruz de Jesus nos fala como um símbolo vivo do amor misericordioso de Deus. Eleva-se como um feixe de luz no cimo da montanha do Calvário, e os seus raios horizontais esticam-se para abraçar toda a angústia humana. Mostra-nos que aquilo que parece ser o fim da esperança é, na realidade, um novo começo.

Santa Teresa de Lisieux reflecte sobre o sofrimento humano e como este tem sentido para além da nossa capacidade pessoal de o aguentar. “Eu aceito com gratidão os espinhos que estão misturados com as flores”, escreveu ela. Porquê a gratidão? Ela continua, “A minha alegria é lutar incessantemente para dar à luz filhos espirituais. Eu continuo a dizer a Jesus “Por Ti... eu sou feliz porque sofro” (Poesias). Ela está a explicar que a nova vida pode nascer do ventre da nossa tribulação. Assim, a compressão da dor que nos tem agarrados dentro das suas cordas esticadas alarga-se para alcançar os outros nas suas necessidades. A dor pessoal não está fechada em si mesma mas assume poder apostólico.

Teresa declara: “Jesus fez-me compreender que era através do sofrimento que Ele me queria dar as almas”. Ela não diz que os seus desejos apostólicos a levaram a um aumento de dor. Ela diz “Jesus fez-me compreender”. Por outras palavras, a graça iluminou-a para ver que o sofrimento não era simplesmente devastação mas semente com fruto. A aceitação verdadeira daquilo que cada dia continha levou-a a uma “paz tão doce, tão profunda que seria impossível expressar... esta paz interior tem sido a minha herança, e não me abandonou no meio das maiores dificuldades” (História de uma Alma).

Santa Teresinha reflecte sobre o que é que o sofrimento pode fazer por nós no tempo, e também espera uma recompensa eterna que pague aquilo que nós aguentamos. Ela escreve à sua irmã Leónia: “Este pensamento da pequenez da vida dá-me coragem, ajuda-me a aguentar a fadiga da estrada... Jesus foi à nossa frente para nos preparar um lugar na casa do Seu Pai.... vamos esperar... a hora do descanso está a aproximar-se... alegro-me quando vejo quanto Deus te ama e te dá as Suas graças. Ele encontra-te merecedora de sofrer por Seu Amor, e esta é a maior prova de ternura que Ele te pode dar, porque o sofrimento nos faz como Ele” (Carta 173). Ela está a dizer-nos que a adversidade tem o seu trabalho especial a fazer em cada vida humana.

Mas, de que modo é que o sofrimento nos faz como Deus? Para compreender esta parte do mistério, vamos aos evangelhos e vemos como Jesus se relaciona com a aflição. “Depois, começou a percorrer a Galileia... curando entre o povo todas as doenças e enfermidades.... trouxeram-lhe todos os que sofriam de qualquer mal, os que padeciam doenças e tormentos, os possessos, os epilépticos e os paralíticos e Ele curou-os” (Mt 4, 23-24). Aqui vemos Deus Encarnado movimentando-se entre nós, revelando o divino amor num coração humano que bate com compaixão por cada membro da multidão que O segue. Os doentes eram curados das suas aflições. No entanto, à sua frente ainda estavam outras aflições — do corpo, da mente e do coração. O seu desaparecimento através do toque de Jesus foi só um alívio temporário porque a vida tinha ainda outras perdas. Teria sido só temporário? O que é que Jesus faz quando toca uma vida humana? O que é que acontece? O que é que é tão bom na Boa Nova?

Nós, cristãos, como os outros filhos do planeta terra, nascemos numa realidade em que será necessário incorporar a dor e a lamentação. Aceitamos isto realmente e rejeitamos qualquer explicação que diz que o nosso sofrimento é uma perda ou está fundamentado numa ilusão. Para descobrir o sentido dos nossos sofrimentos, subimos uma montanha onde o Deus-que-se-fez-homem morre em agonia. Depois desse acontecimento culminante, todo o resto da história humana tem uma nova iluminação — uma luz nascida da escuridão do Calvário. Nós vemos o espantoso espectáculo de um Deus na mais profunda necessidade, lutando em dor. Santa Teresinha descreve a face de Jesus como “luminosa .... no meio de feridas e lágrimas” (Carta 95).

O pecado original foi aceitar a promessa da serpente, “Vós sereis como deuses, conhecendo o bem e o mal” (Gén. 3,5). E dessa decisão humana veio o sofrimento e a morte. Quem teria imaginado a resposta divina a esta traição, em que Deus abraçaria o castigo verdadeiro imposto pelo pecado: o sofrimento e a morte? Os salmos cantam vezes sem conta a abundante bondade de Deus, o amor de Deus que nunca se cansa. No entanto, nós cristãos cantamos uma misericórdia que não só derrama compaixão mas que entra na experiência da nossa desolação. Nós temos um Deus infinito que quis sentir as nossas limitações, mesmo as mais pequenas.

Jesus não explica a existência humana desde fora. Ele permitiu a Si próprio ser limitado pelas fronteiras da humanidade que Ele partilha connosco. Mas fazendo assim, Ele transforma essas mesmas limitações e enche-as de poder.

Ele olha para nós em qualquer incapacidade de andar que nos esteja a agarrar e a impedir de nos movimentarmos ao seu encontro. As suas palavras ressoam nos nossos ouvidos. “Levanta-te e anda” (Mt 9,5). Com este poder a dar-nos energia, nós sabemos que o caminho diante de nós, sim, neste mesmo dia, com todas as suas dificuldades, nos leva à vida eterna.

Ir. Margaret Dorgan DCM
(Tradução de Antonieta Vigário)

(in:
http://carmelitesofeldridge.org/dorgancurrentr.html)


Bálsamo para a nossa angústia

Santa Teresa de Lisieux desejava o martírio como a expressão última da sua entrega pessoal. Ela escreveu: “O martírio era o sonho da minha juventude e este sonho cresceu comigo dentro dos claustros do Carmelo”. Quando pensava nos tormentos descritos para o fim dos tempos, diz ela, “Gostaria que esses tormentos me fossem reservados” (História de uma Alma). Uma crítica não esclarecida pode chamar a estas afirmações, que são eco de outros santos cristãos, as efusões do masoquismo. Mas o masoquista relaciona-se de um modo não saudável com o seu próprio ser prisioneiro, que se alimenta da sua própria substância interior, com uma dieta contínua de ódio a si mesmo. O masoquista usa a dor para se libertar de um conflito interior não resolvido, e sacrifica o bem pessoal e muitas vezes o bem dos outros. O sofrimento cristão nunca se alimenta de si próprio e nunca é um fim em si mesmo. Procura soluções saudáveis, mas quando estas não surgem, torna a angústia pessoal produtiva para aquele que sofre e para os outros seres humanos, seus companheiros. As nossas dores estão ligadas a Jesus que “se tornou obediente até à morte e morte de cruz” (Fil. 2,8).

Vivemos numa época em que sofrimentos terríveis são trazidos diante dos nossos olhos através dos meios de comunicação social, que captam os horrores quase no instante em que eles acontecem. Tem sido dito que tal comunicação da miséria faz com que a compaixão ultrapasse o limite.

Isto nunca teria sido verdade para Teresinha. Quando a acumulação de horrores chega tão alto ela teria ido, como nós devemos ir, até Deus que permite tal vida de sofrimento. Ao mesmo tempo, como ela, nós devemos fazer uso do que quer que seja que aconteça nas nossas vidas individuais. Pedimos que o sofrimento das vítimas, inocentes ou culpadas, termine. Pedimos a graça de levar socorro aos nossos companheiros humanos. Também nos voltamos para a misericórdia de Deus, quando os que nos rodeiam mostram ser falhos de misericórdia. Especialmente nós procuramos a face de Jesus enquanto olhamos para as faces dos nossos irmãos marcadas pelo sofrimento. Fazendo assim, nós não explicamos o mistério de tanto sofrimento humano, muitas vezes infligido por outras mãos humanas. Mas ao nosso próprio pequeno modo, nós entramos no processo de redenção.

Teresinha escreve à sua irmã, “Uma vez que Jesus estava sozinho a pisar o vinho que nos ia dar a beber, em troca, não recusemos vestir a roupa manchada de sangue. Preparemos para Jesus um novo vinho que possa saciar a sua sede, que lhe dê amor por amor. Não guardemos nenhuma gota de vinho que lhe podemos oferecer... No entanto, a sua face estava escondida. Celina, ela ainda está escondida hoje, porque, quem é que compreende as lágrimas de Jesus?” (Carta 108).

Ela levanta esta questão e nós também.

No nosso mundo de hoje, Jesus chora por causa do terror e da violência impostos aos fracos, pela desolação infligida em todas as áreas, urbanas e rurais, pela violação da beleza da natureza e dos seus recursos. Toda a criação geme e cada um de nós geme. Mas a nossa tristeza não é sem esperança. Tem sido dito que nós já estamos no Céu ou no Inferno de acordo com aquilo que nós escolhemos nesta esfera temporal.

O poeta Dante descreveu a parte mais profunda do Inferno como gelado. Não chamas, mas gelo. Um coração humano rígido na sua própria friagem, gelando os outros à medida que se relaciona com eles, dá-nos um sopro do Inferno neste mundo. Não importa o sucesso, fama ou fortuna tenha atingido. Uma vida humana cuja única aspiração está centrada em si mesma, cria o seu próprio vazio gelado. Se a esperança está limitada só aquilo que o tempo pode dar, a existência humana é de facto deprimente.

O autor da Primeira Carta de Pedro descreve uma muito diferente espécie de esperança. Ele assegura-nos, “Ressuscitando a Jesus Cristo dos mortos, Ele fez-nos renascer para uma esperança viva, para uma herança que não se corrompe, não se mancha e não murcha. Essa herança está reservada no céu para vós”  (1, 3-4). Ele diz “reservada no céu”, mas já nesta vida nós recebemos a nossa herança. A Igreja dá-nos os sacramentos que comunicam as riquezas divinas numa especial força e plenitude da graça. A Primeira Carta de Pedro continua, “Sem terdes vistes Jesus, vós O amais; não O vedes, mas acreditais. E por isso sentis uma alegria extraordinária e gloriosa,  porque alcançais a meta da , que é a vossa salvação” (1, 8).

Na nossa dor, podemos alegrar-nos? Nós não podemos controlar sempre as nossas emoções, mas não deixamos que elas apaguem a esperança no nosso espírito. Sabemos que o nosso sofrimento, encerrado nos limites do tempo, dará lugar a uma plenitude prometida pelo nosso Salvador. Como há séculos atrás, o autor da Primeira Carta de João se dirigiu aos primeiros cristãos, assim também ele se dirige a nós: “Escrevo tudo misto para que acrediteis no nome do Filho de Deus, e terdes a certeza de que tereis a vida eterna” (5, 13). Qualquer que seja a nossa angústia, estas palavras espalham-se como um fragrante bálsamo sobre o nosso espírito que espera.

Ir. Margaret Dorgan, DCM
(Tradução de Antonieta Vigário)
(in: http://carmelitesofeldridge.org/dorgancurrentr.html)

Lidando com a ansiedade

Santa Teresa do Menino Jesus é uma mestra espiritual pragmática, que quer que nós usemos todos os aspectos da nossa experiência humana por Deus. Com ela, nada é desprovido de valor. Ela é maravilhosamente capacitada em transformar o que parece negativo em positivo. Mesmo antes de fazer dezassete anos, escreve à sua irmã: “Ah! Saibamos aproveitar, aproveitar os mais pequeninos momentos; vamos agir como avarentas, e a ser ciosas das mais pequeninas coisas pelo Amado. Já passou outro ano, e tal como este assim também a nossa vida passará e brevemente diremos: «acabou». Não percamos tempo; em breve a eternidade brilhará para nós” (Carta 101). Teresinha  tinha então pouco mais do que sete anos e meio para viver.

Tornar cada momento valioso significa que centramos a nossa atenção naquilo em que, no presente, estamos a lidar nas nossas vidas. O que aconteceu antes e o que virá depois contém a sua própria medida da graça de Deus. Mas só este <<Hoje>> encerra a graça que nos está a ser oferecida. Nós centramos a nossa atenção para encarar este hoje, para o aceitar em toda a sua individualidade e acolher o que Deus tem guardado neste dia para nós. Este hoje é a nossa ligação com a eternidade — eternidade, que nascerá para nós como uma espécie muito diferente de dia —, um dia que nunca acaba. O movimento do tempo não é assim. Cada hora passa e outra chega. O ontem foi-se e o amanhã ainda não chegou, e quando ele chegar este hoje já não existirá. Por isso, nós agarramos cada hora e deixamos que ela nos mostre o seu tesouro para nós.

A apreensão acerca do futuro afasta-nos do dom que hoje Deus nos está a oferecer. Desperdiçamos a nossa energia interior, que devia de estar centrada na graça que nos está a ser dada. Para receber essa graça em toda a plenitude de força e de luz, não podemos deixar-nos levar pelo contínuo arrastão da preocupação. A ansiedade distrai da mensagem de amor misericordioso que o nosso Deus nos quer oferecer.

Teresinha diz, “Jesus dá-me a cada momento aquilo que eu sou capaz de suportar e nada mais. Se no momento seguinte Ele aumenta o meu sofrimento, Ele aumenta também a minha força. Eu só sofro por um instante” (Últimas Recordações). É por pensarmos demasiado no passado e no futuro que ficamos sem coragem, explica ela.

Mas o que é que acontece se não somos capazes de não nos preocuparmos? O que sucede se isto se pega à vida como um intruso que não se vai embora? Teresinha diria para oferecermos o peso desse intruso enquanto não nos virmos livres dele. Tu podes pedir a Deus para estar contigo durante essa visita não desejada. E usa essas contínuas lembranças para pedir esperança.

A jovem carmelita sofreu uma intensa purificação espiritual, que é chamada noite escura do espírito. Foi assaltada por dúvidas acerca da eternidade — pensamentos indesejados que faziam troça da sua fé, dizendo-lhe que não existia nada depois desta vida terrena. A preocupação pode ser aquilo que nos ataca, e ela motiva-nos a fazer mais actos de esperança e de confiança, pedindo à misericórdia de Deus para penetrar na nossa consciência. Ela explica o seu próprio modo de agir: “A cada nova ocasião de combate, quando o meu inimigo me provoca, eu porto-me com bravura.... Viro as costas ao adversário sem me dignar olhá-lo de frente... corro para o meu Jesus” (História de uma Alma). Quando a ansiedade nos assalta, também nós podemos tratá-la como um adversário com o qual nos recusamos a lutar. Não fiquemos envolvidos num diálogo-de-surdos com as preocupações. Elas enfraquecem-nos e consomem a nossa energia no que ainda não aconteceu. Elas absorvem as graças do momento presente. E no entanto, se nós estamos tão cansados com o seu persistente aborrecimento que não as podemos aguentar, ofereçamo-las como se fossem um insecto que está a fazer barulho à nossa volta e que não voa para longe. Usemo-las para centrar a nossa atenção na misericórdia de Deus.

Podemos usar este método com tudo aquilo que nos tira a paz. Usemo-lo com as tentações em toda a sua variedade — com os pensamentos de orgulho ou de ira, com o que quer que seja que nos solicita com aborrecidas investidas para nos afastar de Deus. Não nos empenhemos num duelo directo porque isso seria só pôr essas imagens mais firmemente na nossa imaginação. Façamos um rápido voo para a misericórdia de Deus. Uma desejo de ajuda, e digamos: “Ó Jesus, vem em meu auxílio”. Este recolhimento em paz põe-nos imediatamente em contacto com Cristo, que está sempre presente para cada um de nós. Assim se transforma o que é negativo em positivo.

Teresinha reflecte também nos sentimentos que estão para além do nosso controle e diz: “Eu não me permito cair na armadilha” (Últimas Recordações). Caíste na armadilha? Teresinha conta como abrir a armadilha é voltar imediatamente para o amor misericordioso de Deus. Quanto mais nós usamos este método, mais nós ganhamos um hábito. Quando as tentações ou as ansiedades não desejadas chegam aos nossos pensamentos, nós damo-nos conta de que estamos a ir mais rapidamente — quase automaticamente — para a libertação que a lembrança do amor misericordioso de Deus nos dá.

Cada um pode dizer a Jesus: Ainda que eu ande por vales tenebrosos, não temerei porque Tu estás comigo. Qualquer que seja o vale, qualquer que seja a escuridão, eu tenho um poderoso Salvador que me ama. Só a bondade e o amor me acompanham todos os dias da minha vida (Salmo 23). Diz isso a Jesus...

Ir. Margaret Dorgan, DCM
(Traduzido por Antonieta Vigário)
(in: http://carmelitesofeldridge.org/dorgancurrentr.html)

Eu não Lhe digo nada, eu simplesmente O amo

A mais recente Doutora da Igreja deu-nos uma expressão nova das verdades do Evangelho, que me atrai, porque o seu profundo ensinamento chega-nos através de palavras simples  e de metáforas.

Seguramente, a causa principal da proclamação doutoral de Santa Teresa de Lisieux é o seu “Pequeno Caminho de Infância Espiritual”. Antes do Domingo das Missões de 1997 e muito mais notavelmente depois dessa data, encontramos uma variedade de comentários em livros e artigos que investigam e aumentam as suas palavras e metáforas sobre o Pequeno Caminho. A realidade de Deus Pai  — todo providente, misericordioso, e compassivo — sublinhada por Teresa, deu energia a muitos cristãos contemporâneos na sua caminhada espiritual. Os devotos de Santa Teresinha continuam a publicar mais e mais literatura sobre os seus ensinamentos. Eu, porém, deixo essa doutrina a esses comentadores. Em vez disso, este artigo falará de três pequenas observações sobre a oração tiradas das palavras de Teresa. Eu achei que estes textos  são ao mesmo tempo espantosos em significado e em profundidade para a direcção do meu próprio crescimento espiritual. O primeiro é a sua definição de oração e os outros são duas pequenas frases — “Tudo é graça” e “Eu não digo nada, eu simplesmente O amo”. Ambas levam consigo uma espécie de qualidade de “mantra”, úteis para a minha oração.

Definição da Oração

Lemos a definição de oração de Teresa na sua História de uma Alma. De facto, estas frases foram escolhidas como uma definição oficial, as palavras de Teresa aparecem no princípio do “quarto pilar” no Catecismo da Igreja Católica. Tantos foram os santos que escreveram profundos discursos sobre o sentido e os métodos da oração, e no entanto, a única que captou sucintamente a vastidão da experiência da Igreja crente, foi a contribuição não intencional de Teresa. Esta definição não tem semelhança nenhuma com aquelas tão definidas classicamente em termos de teologia espiritual. De facto parece que aqui não se encontra aplicação lógica, nem desenvolvimento intelectual, nem raciocínio escolástico. A definição de Teresa é artística, musical e quase poética. Ela chama directamente a nossa natureza afectiva com estas palavras:

Para mim, a oração é um surgir do coração, um olhar simples para o céu. É um grito de gratidão e amor no meio das dificuldades como no meio das alegrias. É algo de grande, de sobrenatural que dilata a alma e me une a Jesus.

(História de uma Alma)

Por causa destes pensamentos profundos parece que Teresinha teria sido ensinada pela sabedoria com os primeiros Padres orientais da Igreja . O seu conhecimento, no entanto, é fruto da sua procura de Deus e a sua resposta à iniciação de Deus dentro do seu coração. Este não é primeiramente um processo racional ou intelectual nem é um grau académico exigido a Teresa enquanto ela diz estas palavras. De facto, a mais nova Doutora foi, para todos os efeitos, ensinada em casa. Passou um tempo mínimo em instituições de ensino elementar e não tinha educação secundária formal.

Qual é a imagem de Deus que invade o coração de Teresa? Certamente, é filial. Ainda que ela tivesse pouca experiência com as Escrituras Hebraicas, o hesed ou “bondade amorosa” de Deus ressoavam dentro dela. Teresa ouviu a palavra de Deus profundamente.

Assim na sua oração e nos seus escritos, o adjectivo “bom” aparece mais vezes do que “não”, e mais vezes que “Deus”, “Pai”, “Jesus” e “Senhor”. Ela tinha tal atracção pelas pequenas virtudes da bondade, da simpatia, da gentileza e da paciência que as elegeu para a sua própria caminhada espiritual.

A todos a Doutora carmelita ensina um método que atrai (afinal, ela era uma artista!): ensina a pensar com o coração, um pensar “fora do esquema”, por assim dizer. O seu modo de oração flui das experiências de intimidade com Deus, da sua infância. Teresa conhece Deus como a sua relação mais amada e é assim que ela reza. Para Teresa, a oração não necessita de palavras; ela tem a energia própria. Esta relação íntima, iniciada antes da sua Primeira Comunhão, mostra que o amor é a única coisa necessária — o verdadeiro vínculo da perfeição como proclamou S. Paulo e que S. Francisco de Sales reiterava nas suas cartas de direcção espiritual a Philothea e a Joana de Chantal.

Para Teresa, esta relação dinâmica de amor é a essência do crescimento espiritual. O cultivo desta intimidade com Deus é a sua única ocupação e, como as suas palavras atestam, convida-nos a imitá-la. É talvez por isto que Teresa foi amada por tantas pessoas, pouco tempo depois de que a sua autobiografia foi publicada...

A sua definição de oração convida-nos a um compromisso pessoal duma vida pontuada pela oração. Um cristão contemporâneo pode imaginar o conceito de “surgir” que Teresa usou para definir oração, imaginando simplesmente uma carga eléctrica ou o pulso acelerado durante um aumento de pressão sanguínea. O simples olhar ou “surgir” é intencional mas exige pouco esforço da nossa parte. Aqueles que sentiram uma tristeza, um dissabor amargo, uma doença debilitante, ou simplesmente as frustrações da vida do dia a dia, estão capazes de ver o poder da oração. À medida que discernimos através dos bons e dos maus momentos, nós dependemos do veículo da oração para localizar Deus nesse tempo e encontrar a força que necessitamos para continuar.

Aqueles de nós que ainda estamos na caminhada espiritual devemos prestar atenção às palavras de Teresa. Ela ter-nos-ia levado ao coração este conceito: ama primeiro,  fala (ou reflecte) depois. A sua natureza afectiva tem precedência na sua definição de oração e assim o coração é quem dirige.

«Tudo é graça»

A segunda frase que me desafia como um “mantra” — “tudo é graça” — é a verdadeira marca da vida que é experimentada espiritualmente. Como estou a correr rapidamente para os “anos do meio”, surpreendo-me frequentemente a usar esta frase sempre que novos acontecimentos assomam ao meu horizonte.

Durante o último ano da sua vida — Teresa tinha vinte e quatro anos de idade quando morreu! — as destruições da tuberculose pulmonar invadiram o seu corpo. O seu Desde a sua primeira comunhão, a Eucaristia tinha sido a maior alegria de Teresa, um tesouro de graça. Agora, porém, ela quase não pode engolir, e por isso a comunhão do Pão da Vida tornou-se impossível. Quando lhe perguntaram acerca desta privação, Teresa respondeu: “Tudo é graça”. Ainda que ela muito desejasse receber a Eucaristia , ela compreendeu que Deus não tem limites físicos. Deus não é contido!

A sua profunda fé chamava-a para encontrar Deus em todos os momentos e a agir com fé profunda. Por isso, agarrou-se tenazmente a Deus e, então, tudo o que fazia parte da vida e tudo o que estava para além dela tornou-se uma graça para ela.

Este “mantra” tem em si uma qualidade de transformação. Exige que vejamos a vida através das lentes da Divina Providência. Nós não podemos pôr de lado o trauma dos acontecimentos do mundo contemporâneo ou explicá-los simplisticamente, mas podemos aproximar-nos da vida, com uma profunda reverência para com a presença de Deus dentro de nós e à nossa volta. “Tudo é graça” torna-se uma resposta de fé, uma palavra de oração, uma atitude do coração.

Eu não Lhe digo nada, eu simplesmente O amo

Teresinha passou para além do conhecimento afectivo da oração para o centro do mistério. Para quem leva a sério as suas palavras, Teresa retrata a “liberdade dos filhos de Deus” de um modo que desafia a imaginação mais fantástica. Uma noite, pouco antes de morrer, a enfermeira chegou-se ao pé de Teresa na altura da oração e perguntou-lhe, “O que é que diz a Jesus?” Ela respondeu,: “Eu não Lhe digo nada, eu simplesmente O amo”. Esta é a resposta a alguém que pergunte como orar. Obviamente que Teresa sentia necessidade de um método. E, não é este o último objectivo da oração?

Há três anos, enquanto me sentava ao lado do túmulo onde Teresa está na capela do Carmelo de Lisieux, eu convidei-a a ensinar-me. Como muitos dos peregrinos que ali chegam de todos os lugares, eu fiquei ali o maior tempo que pude. A Doutora tem uma experiência inaudita para partilhar; basta que se tenha fome de Deus. A beleza da sua História de uma Alma é que Teresa nos permite sentarmo-nos a seu lado, a fim de procurar o conhecimento do coração que dilatará a alma, e bservar o seu amor que é a sua oração.

Antoine Thérèse Lawlor, IHM
(Tradução de Antonieta Vigário)
(in: www.spiritual-life.org)

Minha Vocação, Minha Missão

Quando se chega a um certo ponto, existe algo que todos nós temos em comum, quer sejamos novos ou velhos, nos consideremos importantes ou não tão importantes, quer passemos o nosso dia num sem número de actividades ou nos sentemos só a pensar. Todos nós desejamos descobrir a nossa missão na vida.

Sabemos que Santa Teresa de Lisieux lutou com este tema. Depois de muita angústia e luta, ela descobriu que ela seria o amor no coração da Igreja, o amor no coração do mundo. Com esta descoberta, ela ficou extraordinariamente feliz.

Existe outra coisa, no entanto, que Teresa deu a este mundo. Ela ensinou-nos como receber. Nos seus escritos, ela diz que a oração não consiste em fazer muito mas em receber muito.

Nós sabemos que Deus está continuamente a dar-nos, desde o primeiro momento em que acordamos, e até enquanto estamos a dormir. Quando pensamos nesta actividade graciosa da parte de Deus, pareceria ser um triste comentário à vida se não existisse ninguém disponível para receber o que Deus está dando. Se continuamos a reflectir sobre isto, depressa nos damos conta que receber também é apostólico, quer dizer, um serviço aos outros. De que outro modo viriam os dons de Deus a este mundo?

Mais, com Teresa, recebemos com um profundo sentido de vazio, ele próprio um tremendo acto de entrega de si próprio em amor, que leva à união com Deus, e à união com tudo o que é vida.

Nos dias em que a oração ou a vida são difíceis, quando nós nos sentimos fora de contacto com o nosso mais profundo ser, pode ser de grande ajuda e um conforto, pensar no que Deus, através da intercessão de Teresa, pode estar à espera de nos dar, num momento particular. Todos nós desejamos essa rosa tradicional, a rosa que aparece de muitas formas.

Ir Mary Jo Loebig, OCD
Encontrado em
http://showcase.netins.net/web/solitude/current.html
a 2003-10-01 e traduzido do inglês por Antonieta Vigário, para uso pessoal.

Histórias e espiritualidade

As expressões, “Era uma vez” e “Veio a acontecer” e “Foram felizes para sempre” normalmente falam ao coração. São algumas das frases que usamos para contar histórias. Lembro-me de quando era criança tinha uma cópia das Histórias de Fadas de Grimm a que eu afectivamente chamava o meu Livro Azul. Era uma fonte de delícias, não só pelas histórias que tinha, mas também, como depressa aprendi, pelo modo como os diferentes adultos podiam ler a mesma história.

Actualmente, também me delicio contando uma boa história. Hoje, dou-me conta que as histórias que me inspiram, têm habitualmente algum ponto de contacto com um aspecto da vida cristã. Por exemplo, a inspiração para este artigo veio-me de ler uma história de fantasmas do sul, acerca de um cão Labrador que foi a personagem salvadora de um filho que estava a lutar para se reconciliar, na sua própria vida interior, com a parte de extrema e restrita disciplina do seu pai, que tinha sido coronel do exército.

Reflectindo de modo novo

À medida que nos aproximamos da Primavera e dos mistérios da Quaresma e da Páscoa, sou levada a reflectir de modo novo nas histórias que nos são dadas nas Escrituras. Quando eu estava na Faculdade, um professor de Inglês afirmou que a história do Filho Pródigo era talvez a melhor história alguma vez registada. Não podemos senão imaginar como é que Cristo deve ter contado a história. Pelas Escrituras que Ele tinha um modo especial de contar histórias. Em Lucas aprendemos que quando ia a caminhar com dois discípulos no caminho de Emaús “Ele lhes interpretou todas as Escrituras acerca das coisas que Lhe diziam respeito” (Lc 24, 27). No entanto, eles não O reconheceram senão quando Ele partiu o pão. Escutando-O, os discípulos de Emaús sentiram os corações ardendo, enquanto Ele falava. Que história magnífica!

Às vezes ouvimos as perguntas, “OK., qual é a história?” ou talvez mais exactamente, “Então, qual é a sua história?”. Muitas vezes estas expressões não são afirmações de cumprimento, mas podem recordar-nos qualquer coisa mais profunda. Por exemplo, nós podemos perguntar-nos: “Como é que isto se relaciona com a história de Cristo?”. Certo professor, que era o Director do Departamento de Filosofia, encorajava os estudantes a escrever a história das suas vidas. Ao mesmo tempo, encorajava-os a reconhecer que cada um é chamado, a seu modo, a unir a sua vida com o mistério pascal, quer as suas vidas individuais possam ser classificadas como drama, aventura ou até tragédia.

Talvez, as delícias e o maravilhoso que nós encontramos quando somos crianças possa também ser experimentado no reconhecimento da história das nossas vidas. Não precisamos de ser especialmente talentosos, ou dotados com acontecimentos extraordinários para contarmos uma história emocionante. Santa Teresa do Menino Jesus na sua autobiografia limita-se a escrever sobre as mais vulgares lutas humanas, as mais pequenas coisas do dia a dia. No entanto, é claro que ela permitiu a Deus que entrasse nesses encontros de todos os dias. A sua pequenina história, que lhe foi pedido que escrevesse em 1894, continua a atrair um enorme número de pessoas que procuram aprofundar a sua vida espiritual.

Graças a Deus pelas coisas pequeninas

Será que a história de Santa Teresinha continua, porque a sua vida se entrelaçou com as histórias sagradas das Escrituras? Neste tempo de computadores, televisões, DVD e vídeos, talvez nós necessitemos de nos ligarmos de novo às nossas próprias histórias, de modo a que as nossas orações possam ser genuínas e concretas e nos possamos deliciar com elas e agradecer a Deus as “coisas pequeninas” que, nas nossas vidas do dia a dia, nos aproximam do sagrado

No Mosteiro, cada uma tem a sua história particular que narra como foi atraída para a Vida Religiosa. Talvez como Santa Teresa Benedita da Cruz, nós possamos recordar um livro especial ou uma pessoa que nos influenciou profundamente e que teve muito a ver no nosso processo de decisão. Estas histórias são importantes. No entanto, tal como quando era criança  e me deliciava a observar as reacções dos diferentes adultos à mesma história, agora dou comigo a deliciar-me ao perceber como as diferentes histórias estão entrelaçadas. Esta partilha das nossas queridas e valiosas histórias podem ter um profundo efeito nos outros. Por exemplo, eu ainda me lembro da época em que a minha mãe me perguntava “Então quem é essa Santa Teresa e o que é que ela fez?”. A um nível mais profundo a questão era: “O que é que atrai o teu coração para escolheres esse modo de vida, em vez de qualquer outro?” Afortunadamente, a história de uma freira espanhola do século XVI era fácil de ligar com a história da vida de Cristo, e nesse nível havia aceitação e compreensão. A fé da minha mãe era o elemento unificador.

Santa Teresa de Jesus, que quando criança gostava de histórias de cavalaria, sublinhava que, como mulheres de oração, também nós somos chamadas a fazer da Encarnação o ponto central das nossas histórias de vida. Pode pôr-se esta ideia por outras palavras: aqueles que partilham a sua história são chamados a viver as suas próprias histórias, primeiro e principalmente no contexto da história de Cristo. A esta luz nós podemos alegrar-nos ao fazermos as nossas humildes contribuições para as histórias de Santa Teresinha e do Carmelo no século XXI.

Miriam Hogan, OCD
(Traduzido por Antonieta Vigário)
(in: http://showcase.netins.net)

O sofrimento e a graça que o acompanha

O sofrimento é o grande enigma da vida. O mundo de hoje está sobrecarregado de reportagens de vítimas de desastres. Sofrer não é apenas um mistério da vida humana, porque todas as criaturas que respiram se confrontam com esta realidade ardente. Os animais fazem os possíveis para o evitar. O mesmo fazem os seres humanos, mas nós vamos mais longe. Reflectimos sobre o seu significado. Atrevemo-nos a perguntar porque é que é assim. Cientistas, académicos, teólogos, artistas e poetas reflectem sobre o seu próprio sofrimento e todas as dificuldades que experimentamos.

Porquê? Questionam-se. Porquê? Perguntamos nós. Não é uma questão nova, ainda que hoje nós tenhamos melhores meios para controlar a dor, para lutar contra ela. É possível vencer o sofrimento? Não. O sofrimento tem a última vitória. Mas será que sim?

Todos os sistemas filosóficos lutaram com este problema. Todas as grandes tradições culturais ou cada narração lembra-nos que estamos sujeitos à perda. Os antigos dramaturgos gregos inventaram histórias comoventes que ainda hoje nos fazem chorar, e nós tomamos as suas palavras de empréstimo para descrever o forte ataque da desgraça arrasadora.

Ao procurarmos uma saga emocionante de aflição e adversidade expressa nas Escrituras lemos o livro de Job, que é uma figura lendária numa história expressa de forma poética. Ao princípio, tudo é sol brilhante e prosperidade para Job. Job é feliz e afortunado. E então começa o relatório. Bois e mulas, ovelhas e pastores, camelos e os que tomavam conta deles, todos estão perdidos. Os ouvidos de Job ouvem este estribilho da boca de cada mensageiro: “só eu escapei para contar o que aconteceu” (1: 15, 16, 17). Finalmente chega a tristeza principal: os sete filhos de Job e as três filhas morrem porque uma casa cedeu à força de uma ventania poderosa. E até o próprio Job é assaltado por feridas graves. Tudo isto nos capítulos um e dois. Job infeliz e desafortunado. Depois, seguimos o debate ente Job e os seus amigos que o reprovam; ouvimos Job, na sua miséria, a falar do Senhor como sábio e forte (9: 4). E ouvimos a voz de Deus no meio  da tempestade.

Finalmente, chegamos à conclusão: Job é justificado. Tudo é restaurado e mais do que restaurado — ovelhas, bois, camelos são acrescentados em muito maior número. E mais sete filhos e mais três filhas! O mesmo número de filhos e a mesma proporção de rapazes e raparigas. Eu desejaria que o autor nos tivesse deixado ver Job a lembrar-se dos seus primeiros dez filhos, lembrando-se de como os tinha amado e os tinha perdido. Ao olhar para este segundo grupo de filhos, teria ele dito para si mesmo: “Ela sorri como a irmã mas velha; os olhos deste fazem-me lembrar os do seu irmão que morreu”?

Nós perguntamo-nos: Porquê? Porque é que nós perdemos aqueles que amamos? Porque é que acontecem as catástrofes? O Livro da Consolação, de Isaías, começa com estas palavras “Consolai, consolai o meu povo, diz o vosso Deus. Falai com ternura (40: 1,2)... porque és precioso para mim, és digno de estima e ... eu te amo” (43: 4). Este mesmo Deus reconhece: “Eu te provei na fornalha do sofrimento. Por minha causa, só por minha causa é que eu fiz isso” (48: 10,11). Finalmente, Isaías descreve como o Senhor lida com os que estão enredados na tragédia. “(Deus) que se compadece deles conduzi-los-á e os guiará para onde fontes de água.” (49: 10). “Montanhas, rompam em aclamações, pois Jahvé consola o seu povo e se compadece dos seus pobres” (13); “...dor e aflição ficarão para trás” (51: 11). “Com amor eterno, eu me compadeço de ti, diz Jahvé, o teu redentor.” (54: 8). Que mensagem nos é dada por Isaías!

O conforto de Deus dá-nos força. A palavra conforto vem, do latim fortalecer. O sofrimento esvazia-nos, e neste vazio nós necessitamos do conforto que encherá a parte do que foi esvaziada. A Graça vem até nós como um dom da misericórdia de Deus para nos dizer que Deus vai refazer o que nós perdemos. De novo Isaías proclama a sua mensagem de esperança. “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque Jahvé me ungiu. Ele me enviou ... para transformar sua cinza em coroa, seu luto em perfume de festa, seu abatimento em roupa de gala” (61: 1, 3).

Isaías descreve uma viragem completa e total. Parece que nos está a dizer que a angústia nas nossas vidas nos dá direito a uma nova alegria. Este é o trabalho da graça que nos ilumina na nossa aflição. A graça desperta novas capacidades para reconhecermos a presença de Deus na nossa dor, e nessa presença está a semente da paz actual assim como da futura felicidade.

À medida que a morte se aproximava, Santa Teresa de Lisieux resumiu assim a sua pequena vida de vinte e quatro anos de existência humana: “A minha vida não tem sido amarga, porque eu sabia como mudar toda a amargura em algo alegre e doce” (Últimas Recordações). Este conhecimento Teresa adquiriu-o não desde o princípio mas através das lutas, que cada um descobre à medida que a vida se desenrola. Isto não quer dizer que Teresa não chorasse como nós quando estamos a viver as dificuldades e a tragédia. Mas a fé e a esperança animam os nossos corações mesmo quando as lágrimas caem. Porque tudo o que perdemos nos será dado de novo quando a eternidade surgir, e o dar-nos conta disso traz luz à escuridão da agonia terrena.

“Alegrar-me-ei e ficarei alegre na Tua bondade, pois viste a minha miséria e olhaste por mim na minha aflição” (Salmo 31: 8)

Ir Margaret Dorgan
(in: http://carmelitesofeldridge.org - Tradução de Antonieta Vigário)

O QUE É A GRAÇA?

Graça é uma palavra que nós encontramos muitas vezes na liturgia, nas escrituras e nos escritos espirituais. O que é que significa? Para a compreender melhor, voltemo-nos para uma santa recentemente declarada Doutora da Igreja, Thérèse de Lisieux. Esta freira carmelita francesa, que morreu com vinte e quatro anos no fim do século XIX, não foi formada para ser uma grande académica ou teóloga. De facto, a sua educação parece muito deficiente se for medida numa avaliação contemporânea. Ela dava muitos erros de gramática e de pontuação, mas a sua elevada inteligência e profunda espiritualidade deixaram-nos páginas que nos levam a lutar por vidas mais ricas e completas.

“Tudo é graça” (Últimas Conversas, p. 57). Estas palavras de Santa Teresinha são muitas vezes citadas. “Tudo é graça” Se ela estivesse a falar com cada um de nós hoje seria o que ela diria. Ela ouvir-te-ia contar-lhe como está a tua vida hoje e como é que tu chegaste a este ponto. Ela não abanaria a sua cabeça em sinal de reprovação pelas tuas poucas realizações, pelas minhas poucas realizações. Ela dir-te-ia, dir-me-ia: “Tudo é graça”. Espera um minuto, Santa Teresa. Ouviste-me realmente? As minhas lutas, as minhas falhas? – e talvez eu até tenha contado algum dos meus sucessos para que ela me conheça melhor. Cada um de nós lhe dirá as esperanças que tinha e que não se realizaram e as esperanças que ainda tem. E ela nos dirá a ti e a mim: “Tudo é graça”.

Nessas três palavras, Teresa não quer dizer que não faz diferença o que eu faço, o que eu rejeito e o que eu escolho. Eu não posso caminhar em direcção a algo que eu sei que me afastará de Deus. Eu não posso escolher o mal e pensar que a graça está nessa escolha. Teresa está a explicar que Deus nunca está distante. Onde quer que nós estejamos Deus está connosco, completamente preocupado com o nosso bem estar, disponível quando nós pedimos ajuda e ainda mesmo antes de que nós peçamos. De facto, Deus está tão presente que mesmo quando eu escolho o mal, mesmo quando eu me movi para fora da bondade, para além da abençoada esfera da graça – ainda então a graça me persegue. A graça alcança-me, dizendo-me insistentemente: “Volta. Volta para a benção da amizade com Deus”.

Não nos podemos evadir do nosso Deus. O Salmo 139 pergunta: “Onde posso ir fora do Teu Espírito? Onde posso ir longe da Tua Presença?” O amor que nos criou nunca pára de nos suplicar, sempre desejando agarrar-nos no seu divino abraço. A Graça é o dom de Deus para nós, falando através de cada circunstância das nossas vidas.

Teresa explica como é que ela contará a sua história pessoal: “Não é a minha vida propriamente dita que eu vou escrever; são os meus pensamentos acerca das graças que Deus se dignou dar-me”. Ela continua, “Para mim o Senhor tem sido sempre misericordioso e bom, lento na ira e abundante em amor constante” (Salmo 102, 8) (História de uma Alma, p. 13, 15). Misericordioso e bom. Uma e outra vez a palavra misericórdia aparece nos escritos de Teresa. O primeiro parágrafo da sua autobiografia declara, “Eu começarei a cantar o que devo cantar eternamente: “As misericórdias do Senhor” (Salmo 89,1). O que Teresa nos deixou são as reflexões em como a graça deu forma à sua vida. E isto é um convite a cada um de nós para reflectirmos nas nossas próprias vidas, para reflectirmos em como a graça nos moldou ano após ano, ano após ano.

Vamos lá olhar mais devagar para a graça. A visão é mais demorada porque estamos a ir até às Escrituras, para ver o que foi inspirado aos escritores para que nos digam. No Antigo Testamento, encontramos várias palavras que contêm o significado de graça. Existe a raiz hebraica “hen”. Num sentido físico, esta palavra significa inclinar-se sobre, olhar alguém. Também significa agarrar com bondade, com protecção, com amor. Contém favor, boa vontade.

A palavra latina para graça, “gratia” tem múltiplos significados, um dos quais é gratidão. “Deo gratias” é traduzido por “Graças a Deus”. A Graça como dom de Deus para nós certamente pede a nossa gratidão. Uma pessoa é agradecida por ser agraciada. A Eucaristia é um ritual de louvor que agradece a Deus pela graça que nos é dada no sacrifício de Jesus Cristo.

Santa Teresa do Menino Jesus aprecia ser quem é. Pense nisso. Alguma vez agradeces a Deus por te ter feito a pessoa única que és? Não há orgulho nisto. Tu estás a ser agradecido e reconhecendo o Único que te desenhou e formou, o divino Artífice que pegou no material humano fornecido pela tua mãe e pelo teu pai, e deu ao mundo o que nunca tinha existido antes: Tu.

Quando ouves o canto “Parabéns a você”  sabes que esta é também uma canção de louvor ao teu Criador. Celebra quem tu és e pede a Jesus a graça de chegar a ser o que Deus te chama a ser. Acende as velas!

Ir. Margaret Dorgan, DCM
In
http://showcase.netins.net/web/solitude/dorgancurrent.html
traduzido por Antonieta Vigário.

SANTA TERESA E A GRAÇA (Parte II)

Santa Teresa do Menino Jesus, Doutora da Igreja, é a nossa mestra escolhida para nos revelar as maravilhas da graça de Deus nas nossas vidas. Ela ajuda-nos a perceber os segredos da acção divina à nossa volta. “Jesus dignou-se ensinar-me este mistério. Ele pôs diante de mim o livro da natureza. Eu compreendi como todas as flores que Ele criou são belas, como o esplendor da rosa e a brancura do lírio não empalidecem o perfume da pequena violeta ou a agradável simplicidade do malmequer... Assim é também no mundo das almas. Jesus quis criar grandes almas, lírios e rosas, mas Ele também criou as mais pequeninas ... para dar alegria ao olhar de Deus quando olha para os Seus pés... a perfeição consiste em ser o que Ele quer que sejamos” (História de uma Alma).

Nem todos podemos ser flores altas e fragrantes. De facto, nem todos o queremos ser. Nós não pedimos desculpa a nós próprios ou aos outros por sermos aquilo que somos. Vale a pena mencionar que a primeira fragrância relacionada com Santa Teresa do Menino Jesus, o aroma que se sentiu depois da sua morte, foi o perfume das violetas. Não de rosas. Violetas. Vamos olhar mais de perto esta flor selvagem – a violeta ou o malmequer a que Teresa se refere. Uma flor selvagem apanha alimento do vento e da chuva. Agarra-se ao solo de um campo exposto ao frio do inverno e ao calor do verão ou vive na espessura das florestas. Não é mantida numa estufa. A flor selvagem é muito flexível. Ninguém a vai regar. Aceita o que o clima sempre mutável lhe traz. Teresa diz destas flores selvagens que a sua simplicidade atrai Deus. E então continua a apresentar mais um argumento de que “Deus nelas manifesta a sua infinita grandeza. Assim como o sol brilha simultaneamente nos altos ciprestes e em cada uma das pequeninas flores como se só cada uma delas existisse na terra, assim o Nosso Senhor se ocupa particularmente com cada alma como se não existisse mais nenhuma como ela” (História duma alma).

Como são verdadeiras as suas palavras, porque de facto não existem outras como ela. Tal como no princípio da criação, agora Deus olha para o que nasceu em ti, quer tu sejas como uma rosa ou como um lírio ou como uma flor de trigo e proclama: “Muito bem”. Tão bom que, continuamente, Jesus fará brilhar o sol do divino amor sobre ti oferecendo-te os dons contínuos da Sua graça, a cada momento de cada hora da tua vida. Este é o destino de “todo aquele que é chamado Meu, aquele que eu criei para Minha glória, aquele que formei e fiz” (Is 43, 7).

O autor da Epístola aos Efésios explica: “A graça foi dada a cada um de acordo com a medida do dom de Cristo” (4, 7). E lendo mais na segunda Epístola a Timóteo, compreendes quem tu és: “Deus salvou-nos e chamou-nos com um santo chamamento para o próprio desígnio de Deus e pela graça que nos é dada em Cristo Jesus antes do início dos tempos” (1, 9). Deus tem um propósito ao trazer-te à vida. Na oração nós descobrimos alguns dos segredos desta divina intenção. Compreendemos mais completamente como é que os acontecimentos que nos envolvem nos estão a falar e a trazer mensagens de Deus. Nenhum de nós é perfeito, mas não nos devemos desencorajar. Santa Teresinha conta: “No princípio da minha vida espiritual... eu costumava perguntar a mim mesma o que é que eu teria que lutar mais tarde, porque acreditava que me era quase impossível compreender melhor a perfeição”. Esta é a concepção errada de alguém que quer alcançar a santidade com todo o coração e pensa que a sua visão do que isso supõe é perfeitamente correcta. Teresa continua: “Aprendi muito depressa que à medida que uma pessoa avança, vê melhor como o objectivo está longe. E agora estou simplesmente resignada a ver-me a mim mesma sempre imperfeita e a encontrar nisso a minha alegria”. Nós não desistimos de tentar ser melhores mas nunca perdemos a esperança. Encontramos conforto nas palavras ditas a Isaías: “Sou Eu, Eu quem se esquece, por amor de Mim, das tuas ofensas. Não me lembro mais dos teus pecados” (43, 25).

Hesed é uma palavra hebraica que é usada às vezes nas Escrituras para significar graça. Significa desejo, ardor, amor. A carmelita francesa fala dos “dons totalmente gratuitos de Jesus”, e de como “só a Sua Misericórdia fez nascer tudo o que é bom nela”. Ela celebra o amor do Criador que vem a nós desejando dar, derramar dons em abundância. Os seus escritos indicam modos de dar espaço para que a grandeza da divina graça entre em nós e dirija as nossas vidas. Como Teresa uma vez repetiu as palavras do salmista, assim também o podemos fazer agora: “Deus é o meu salvador. O Senhor apoia a minha vida” (Salmo 54, 6).

Ir. Margaret Dorgan, DCM
In
http://showcase.netins.net/web/solitude/dorgancurrent.html
e traduzido por Antonieta Vigário

A Graça (parte III)

Os primeiros cristãos escolheram a palavra grega “Kharis” para expressar a natureza do dar-se de Deus a cada um de nós. Eles poderiam ter usado termos do Antigo Testamento que significam justiça ou verdade. Mas em vez disso, eles seleccionaram uma palavra com muitas matizes de significados.

“Kharis” pode ser o que brilha, o que agrada ao olhar. Pode referir-se à beleza física, à doçura da vida, à virtude. Também pode expressar favor, bondade, liberalidade.

Na realidade, Jesus jamais usou a palavra que traduzida para o grego dá “kharis”. Não estava no vocabulário dos seus contemporâneos. A Boa Nova de Jesus Cristo é toda acerca da graça. Mas as palavras têm todas uma espécie de vida própria. Aparecem num dado tempo. Um termo será aplicado a uma realidade particular, e, gradualmente, esse termo assumirá mais e mais significado. O evangelista João, que escreveu muitos anos depois dos evangelistas sinópticos, diz no seu Prólogo: “A graça e a verdade vieram por Jesus Cristo” (1, 17). Não encontramos a palavra para “graça” em Mateus ou Marcos. Lucas usa-a com o especial sentido de “favor”. O anjo saúda Maria na Anunciação: “Alegra-te ó muito favorecida”. Que significa “cheia de graça”. Maria, não tenhas medo porque achaste o favor de Deus (ou graça)” (Lc 1, 28,30).

A realidade a que nós chamamos graça está em todo o lado, em todas as narrativas evangélicas. Para compreender esta realidade, voltamo-nos para as histórias que descrevem o poder, o amor sem limites e a compaixão de Cristo para com as pessoas que Ele encontra.

Santa Teresa de Lisieux não tinha inveja daqueles que caminharam com Jesus e sentiram a benção da Sua proximidade tocando as suas vidas com a luz e a graça. Diz ela: “Estou certa de que Nosso Senhor não disse mais aos seus apóstolos, através das Suas instruções e da Sua presença física do que aquilo que nos diz a nós através das Suas inspirações e da Sua graça”. Ela continua explicando como Jesus toma parte nas nossas vidas, não só através das nossas qualidades positivas mas também através da nossa fragilidade. “Jesus podia ter dito a S. Pedro: “Pede-me a força para cumprires tudo o que queres”. Mas não, Ele não o fez, porque Ele queria mostrar a Pedro a sua fragilidade e porque, antes de governar a Igreja, que está cheia de pecadores, ele tinha de experimentar por si próprio o que uma pessoa é capaz de fazer sem a ajuda de Deus” (Últimas Conversas). Ouçamos Teresinha: “...o que uma pessoa é capaz de fazer sem a ajuda de Deus!”

A graça, no entanto, é muito mais do que assistência, ainda que certamente seja isso. É também o poder transformante de Deus afectando a nossa própria substância. Aqui estamos a referir-nos à graça santificante, que é chamada “o estado de graça”.

Depois da ressurreição de Jesus, vemos nos Actos e nas Epístolas, como a primitiva Igreja explicou a graça como base para a nossa nova vida em Cristo. Pedro diz aos anciãos de Jerusalém, “Nós acreditamos que seremos salvos pela graça do Senhor Jesus” (15, 11). Mais tarde, nos Actos,  o apóstolo Paulo partilha connosco a sua compreensão da sua missão, “o ministério que eu recebi do Senhor Jesus para testemunhar o evangelho da graça de Deus” (20, 24).

Na Epístola aos Romanos, Paulo explica que o dom da graça santificante afecta o nosso verdadeiro ser: “Nós somos mergulhados com Cristo, pelo Baptismo, na morte, de modo que, como Cristo ressuscitou da morte para a glória do Pai, nós também possamos caminhar numa vida nova” (6,4). Ele sublinha a ideia, acrescentando: “o dom livre de Deus é a vida eterna em Jesus Cristo Nosso Senhor” (6, 23). Paulo está a dizer-nos que nós estamos radicalmente mudados através de uma regeneração e de um novo nascimento no Espírito Santo.

A graça é a própria comunicação de Deus à nossa natureza humana. O infinito tem agarrado a nossa finitude: nós somos levados a uma santidade que participa da verdadeira vida de Deus. A graça santificante estabelece uma nova relação entre Deus e cada um de nós. São João da Cruz descreve como a graça inunda a essência daquilo que somos. (Santa Teresa do Menino Jesus diz-nos, que através dos seus escritos, foi ele, de modo especial, o seu mentor e guia.) Ensina S. João da Cruz: “Deus desce em misericórdia à alma, imprimindo e infundindo o Seu amor e graça nela, fazendo-a bela e elevando-a tão alto de modo a torná-la participante da Sua própria divindade” (Cântico Espiritual, 32, 4). O que São João da Cruz quer dizer é que dando a graça, Deus amorosamente eleva o teu mais profundo ser. Tu não és simplesmente melhor do que eras – como se Deus acrescentasse alguma quantidade de bondade natural àquela que já tinhas. Pela graça, Deus muda a qualidade real do que tu és na tua humanidade. Agora tens um modo diferente de existir, uma vida nova que é ordenada para a actividade, para além dos teus poderes naturais ou comportamentos. A graça é a garantia do teu novo destino e também o meio para atingir esse destino. Tu tens a capacidade de ir ao encontro de Deus na fé, na esperança e no amor, uma vez que toda a tua substância é santificada e ordenada para Deus. A segunda carta a Timóteo urge: “Aceita a força que vem da graça de Cristo Jesus” (2, 1).

Sempre que nós experimentamos a nossa fraqueza – quer seja física, moral ou espiritual – o nosso Salvador vem fortificar-nos: “Da Sua plenitude todos nós recebemos, graça sobre graça” (Jo 1, 16).

Ir. Margaret Dorgan, DCM
In
http://showcase.netins.net/web/solitude/dorgancurrent.html
traduzido Antonieta Vigário.

A graça da conversão (Parte IV)

Na sua autobiografia Santa Teresa de Lisieux descreve uma graça decisiva que aconteceu no Natal anterior ao seu décimo quarto aniversário. Ela escreve: “Eu recebi a graça de deixar a minha infância, a graça da minha completa conversão”. Nos anos seguintes ela celebrou sempre esta libertação. Vamos olhar mais de perto este triunfo da graça em Teresa. Alguém poderia  dizer, “conversão. Porquê conversão? Ela já era uma adolescente muito católica!”. Mas, Teresa diz-nos porquê: “Ainda que Deus me tenha inundado de graças... eu continuava a ser muito imperfeita... eu era insuportável por causa da minha extrema sensibilidade... se acontecia causar algum pequenino problema a alguém que eu amasse, ainda que sem querer... eu chorava e depois disso começava a chorar por ter chorado... Deus tinha de fazer um pequeno milagre para me fazer crescer num instante”; e ela diz: “Este milagre Ele realizou-o... Ele fez-me forte e corajosa, armou-me com as suas armas”.

A graça da conversão. Alguns de nós podemos identificar nas nossas vidas um momento como o de Teresa, quando os grilhões caíram. Tornámo-nos livres das cadeias que nos tinham mantido escravos. Nós estávamos a tentar andar nos caminhos do Senhor, mas parecia que andávamos muito devagar e caíamos muitas vezes. Então, a graça veio de repente, levantou-nos da nossa miséria, libertou-nos das nossas cadeias. Nós não só podíamos andar, como corríamos. A absoluta gratuidade da nossa libertação apanhou-nos de surpresa. Uma nova energia espiritual nos revigorou. Como Teresa podíamos dizer: “[Jesus] fez-me forte e corajosa, armou-me com as suas armas”. Ela continua: “A partir dessa noite nunca perdi um único combate ... mas antes pelo contrário, andei de vitória em vitória... A fonte das minhas lágrimas tinha-se secado”.

Notem na sua descrição desta graça, o que ela já tinha tentado. Ela pôs muito esforço. Ela trabalhou arduamente para ultrapassar a sua extrema sensibilidade, mas sem sucesso. Então ela conta o momento da conversão: “O trabalho que eu tinha sido incapaz de fazer, em dez anos, foi feito por Jesus num instante, contentando-se a si próprio com a boa vontade que nunca faltava”.

Esta espécie de graça definitiva altera uma vida, ainda que externamente as mudanças sejam muito ténues. Todos os esforços humanos que consideramos quase infrutíferos são preparações para o dom que faz com que tudo surja com poder e beleza. O sol aparece e brilha com uma luz até agora desconhecida. Uma energia cheia de força tem sido comunicada. Na segunda carta a Timóteo, é dito ao discípulo para “reacender o dom que Deus te deu” (1, 6). Quando somos inflamados pela graça, tornamo-nos brilhantes e flamejantes pela virtude.

Para Teresa, a sua conversão de Natal foi uma das maiores intervenções de Deus. No entanto, ela era consciente de que a Divina Providência trabalha em todos os detalhes da nossa vida. Nós podemos experimentar uma grande conversão, mas a vida também tem outras conversões menos importantes. A graça dá-nos a capacidade de fazer escolhas diárias que aprofundam a nossa união com Jesus.

Teresa declara: “Mais do que nunca, eu compreendo que os mais pequeninos acontecimentos da nossa vida são conduzidos por Deus. Ele é o Único que nos faz desejar e que preenche os nossos desejos” (Carta 201). Na sua autobiografia, ela escreve: “Jesus ensina sem o barulho das palavras. Eu nunca O ouvi falar, mas sinto que Ele está dentro de mim a cada momento. Ele está a guiar-me e a inspirar-me o que devo dizer e fazer”.

A graça dá-nos já o princípio da vida eterna. A nossa irmã carmelita viu as riquezas desta vida terrena, ligando cada instante que passa com o sem tempo da eternidade. Escreveu ela à sua irmã Celina: “Sim, a vida é um tesouro. Cada momento é uma eternidade ... só existe Jesus que é; tudo o resto não é. Vamos amá-l’O, amá-l’O até à loucura.” Como é que o amor expressará esta loucura? A sua carta explica: “Jesus está a dar-nos a graça extraordinária de nos instruir Ele próprio e de nos mostrar uma luz escondida. A vida será curta, a eternidade sem fim... Que todos os momentos da nossa vida sejam só para Ele; que todas as criaturas só nos toquem de passagem” (Carta 96). Teresa vê o tempo interagindo com a eternidade, a terra e o céu unidos. É  a graça que une o que é visto tão distante um do outro.

A graça santificante traz para dentro de mim uma mudança tão radical que eu posso afirmar ser já um cidadão do céu. Como Teresa, eu abraço toda a minha herança. Quando ela diz: “que as criaturas só nos toquem de passagem”, ela não está a motivar uma rejeição dos seres criados. Mas como destinados ao céu, nós lidamos com todas as criaturas de um modo novo e apreciamos a sua bondade sem nos ligarmos a elas. Nós não nos agarramos a elas tão firmemente que nos tornemos escravos. Esta é a nossa resposta à nova realidade que a graça estabelece dentro de nós. Não é o caso de abandonar as alegrias da terra mas de as vermos como reflexos da alegria eterna. Na mesma carta Teresa explica o que a existência neste mundo é para ela: “Há só uma coisa para fazer durante a noite, a única noite da vida que virá uma só vez, e isso é amar, amar Jesus com toda a força do nosso coração e salvar almas para Ele, para que Ele possa ser amado.”

Porém, o que ela chama a única noite da vida não existe sem alegria. Ela escreve quando a morte está perto: “Permite-me, durante o meu exílio, as delícias do amor ... Jesus. Oh Jesus, se o desejo de Te amar é tão delicioso, o que será possuir e experimentar esse amor?”  Para ela e para nós, a graça abre o nosso espírito ao que nos espera para além desta única noite da vida.

“O Senhor derramou a sua graça, e à noite eu cantei a sua canção, uma oração para o meu Deus vivo” (Salmo 42,9).

Ir. Margaret Dorgan, DCM
In
http://showcase.netins.net/web/solitude/dorgancurrent.html
traduzido por Antonieta Vigário

Graça e Liberdade (Parte VI)

O nosso Deus Criador chamou-nos do nada. Com o toque vivificador do seu dedo divino, nós fomos trazidos à existência. E maravilha das maravilhas, a nossa humanidade pessoal foi dotada de liberdade, uma impressionante responsabilidade. A mão criadora, que nos mantém na corrente contínua da nossa existência, chega até à nossa própria determinação no seu próprio centro e oferece-nos a muito mais sublime liberdade da graça. Nenhuma violência é feita à nossa liberdade. A mais profunda liberdade da graça dá corpo à nossa mais profunda verdade. Então tornamo-nos no que nós estamos pensados ser na nossa realidade fundamental.

Santa Teresa do Menino Jesus viu a verdade acerca de si mesma na sua pequenez e nada. Reconhecendo o seu nada, ela estava reconhecendo a infinita distância entre a infinitude de Deus e a limitação de cada criatura. Escreveu ela a Celina: “Vamos humildemente pôr-nos na fila entre os imperfeitos. Vamos vermo-nos a nós mesmas como pequenas almas muito convencidas do nosso nada, Ele estende as Suas mãos para nós... Sim, é suficiente humilhar-se a si mesmo, para aguentar as próprias imperfeições. Vamos correr para o último lugar... ninguém o vai disputar connosco” (Carta 243).

Ela sabe que o último lugar é último só do ponto de vista humano. Não é o último aos olhos de Deus. O amor de Deus e a graça vão até este último lugar com especial eficácia porque nós não o bloqueamos com a nossa própria importância. A pequenez de Teresa só o é em relação com a imensidade de Deus. Em comparação com a divina grandeza, a criatura dissolve-se no vazio interior. No entanto, Teresa sabia muito bem que ela era muito mais do que nada. O muito mais, no entanto, era todo de Deus, todo dom, todo graça.

O vocabulário das primeiros escritores espirituais podem dar-nos palavras que não são completamente bem vindas nos dias de hoje. Tendemos a sublinhar que nós somos algo e que nós temos como objectivo ainda ser mais. Santa Teresa do Menino Jesus concordaria de todo o coração. Cada um de nós é verdadeiramente algo. (Nós até podemos ser designados como “algo mais” quando espantamos os outros com um comportamento não esperado.)

Mas se nós nos deixamos cativar pelo centrar-se em nós próprios, pelo egoísmo, pela absorção na ambição e no prazer, então nós estamos ligados a um nada afastado de Deus. E tristemente, não estaremos mais em casa com Deus. O Único que vivia dentro,  como um hóspede acarinhado, é tratado como um estranho que recebe pouca ou nenhuma atenção. Pelo contrário, nós ouvimos as vozes que chamam a nossa necessidade de plenitude, prometendo-nos que o poder, a luxúria e a fama podem aliviar a dor fundamental do vazio dentro de nós. Isto é a escravidão que tenta encher o vazio humano ainda com mais vazio.

Muito diferente é o tipo de nada que Teresa afirma: “O que agrada mais a Deus é que Ele me vê, amando a minha pequenez e a minha pobreza, a esperança cega que eu tenho na Sua misericórdia” (Carta 197). O seu nada é um espaço luminoso aberto para receber o terno derramamento do divino amor. Diz São João da Cruz: “Os humildes são aqueles que se escondem no seu próprio nada”, mas ele acrescenta também que eles sabem como se abandonar em Deus. Numa carta a uma irmã carmelita ele declara que: “Os pobres em espírito são mais felizes, porque em todas as coisas eles encontram a liberdade de coração” (Carta 16). Ele e Teresa não estão a descrever um vazio vago mas um vazio que está sempre receptivo à plenitude que Deus quer dar.

A inclinação e servidão a hábitos pecaminosos criam um centro interior de vazio que faz eco com os nosso gritos de “eu quero”, “eu tenho de ter”, “eu agarrarei isto a qualquer custo”, “para mim e para os outros”. Com a graça nós deixamos este estado de escravatura para nos tornarmos livres, para respirarmos com o sopro do Espírito Santo. As criaturas já não nos põem algemas: “Foi para a liberdade que Cristo nos libertou” (Gal 5,1).

Vemos a marca do Criador em tudo o que é criado. Cheiramos a fragrância deixada pelo toque divino. As criaturas tornam-se mais uma revelação da beleza de Deus. A graça abre os nossos olhos para a sua verdade. Não somos mais seduzidos pelas distorções que o imoderado desejo ardente impõe.

Teresa do Menino Jesus escreve as seguintes palavras como se elas fossem ditas por Jesus: “Eu não estou a dizer que uma pessoa se deva separar completamente das criaturas, desprezar o seu amor, a sua simpatia, mas, pelo contrário, devem aceitá-las de modo a agradar-me, porque separar-se das criaturas só serviria uma coisa: andar e perder-se nos caminhos deste mundo” (Carta 190).

Um Deus que é todo amor fez um mundo que pede muito o nosso amor. E Deus fez-nos merecedores de sermos amados. Santo Agostinho diz numa única frase, dirigindo-se a Deus: “Porque Tu me tens amado, fizeste-me amável”.

A Graça liberta-nos das algemas e aumenta o nosso poder para amar e para encontrar alegria nas  criaturas. E a graça atrai a afeição dos outros para nos amarem. Quando Santa Teresa do Menino Jesus nos pede para reflectirmos no nosso nada, ela vê-o chamando a divina misericórdia para nos formar, de modo a que cada um possa realizar o especial desígnio que Deus tem sobre as nossas vidas: “Eis o que diz o Senhor que te fez, o teu construtor que te formou desde o seio materno, Não tenhas medo... não te perturbes... Tu és minha testemunha” (Is. 44, 2,8)

A Graça dá-nos verdadeira liberdade em Jesus: “Se o Filho vos faz livres, vós sereis verdadeiramente livres” (Jo 8, 36)

Ir. Margaret Dorgan
In
http://showcase.netins.net/web/solitude/dorgancurrent.html

traduzido por Antonieta Vigário



Primeiro milagre de Teresa aconteceu
na Madeira,  na noite da sua morte

Ao anoitecer do dia 30 de Setembro de 1897, na enfermaria do Carmelo de Lisieux, a Ir. Teresinha do Menino Jesus e da Santa Face entra na fase terminal da sua prolongada e dolorosa doença.

No meio de indizíveis sofrimentos físicos e espirituais, que aceitou heroicamente até ao fim, irrompe dos seus lábios moribundos o derradeiro grito de amor: “Não me arrependo de me ter entregue ao Amor. Meu Deus, eu amo-Vos. Oh! Amo-Vos!” (Caderno Amarelo).

Pouco depois, com o rosto transfigurado e iluminado por inexplicável luz celeste, falecia santamente. Tinha 24 anos de idade e nove de vida consagrada na Ordem de Nossa Senhora do Carmo.

O seu belo sorriso e a novidade da espiritualidade da infância, narrada na sua autobiografia – História de uma Alma – depressa conquistaram o mundo. Mas, em 1897, era ainda muito pouco conhecida fora dos muros do seu Carmelo. Desejava “passar o céu a fazer bem sobre a terra. ”. O seu mais profundo e ardente desejo de ajudar os seus irmãos começou logo após a morte.


A força da oração – uma chuva de rosas

Estávamos em 1897. A Ir. Virgínia da Paixão, a humilde religiosa do Mosteiro das Clarissas de Nossa Senhora das Mercês no Funchal, encontrava-se gravemente doente, devido a uma queda nas escadas. Esta enfermidade fazia-a sofrer imenso, não só pelas dores físicas, mas pela relutância que experimentava em deixar-se examinar pelo médico. Com a força das dores não conseguia conciliar o sono. Na noite de 30 de Setembro, sentindo aumentar os sofrimentos, pediu ao Senhor que a curasse por intercessão da primeira alma que entrasse naquele momento no Paraíso. A resposta do céu não se fez esperar. Narra-nos a Madre Virgínia nos seus escritos:

 “Senti uma mão invisível que me tocava e vi junto do meu leito uma religiosa vestida de hábito pardo, manto branco e véu preto na cabeça. Conheci que não era a nossa enfermeira. Verifiquei que era uma religiosa nova e muito formosa. Perguntei-lhe quem era. Referiu que Jesus, respondendo à minha súplica, a tinha enviado para lhe dizer ser sua vontade me submetesse ao exame clínico prescrito e me deixasse tratar. Ela seria a minha fiel enfermeira. Por fim, sorriu e disse: o meu nome é Teresa do Menino Jesus e da Santa Face, que acabo a vida mortal e entro já no Paraíso. Pediu-me segredo e desapareceu”.

A Madre Virgínia refere que o médico fez a intervenção cirúrgica recomendada e que Santa Teresinha do Menino Jesus foi a sua fiel e dedicada enfermeira, curando-a milagrosamente. Após a intervenção sobrenatural, a Madre pôde participar em todos os actos comunitários no dia de S. Francisco, 4 de Outubro desse ano. Clinicamente era inexplicável como em tão pouco tempo se realizou a prodigiosa cura.


Amizade sacramental 

Madre Virgínia Brites da Paixão e Santa Teresinha do Menino Jesus nunca se conheceram pessoalmente nesta vida. As duas religiosas contemplativas pertenciam a famílias religiosas distintas: uma foi clarissa e a outra carmelita. Privilegiavam uma herança comum na diversidade e riqueza carismática: a vida contemplativa que é património espiritual da humanidade. A clausura das religiosas contemplativas não impede o abraço universal do amor fraterno e cósmico até à doação da própria vida; antes o potencia admiravelmente.

A partir daquele feliz 30 de Setembro, Teresa de Lisieux e Madre Virgínia ficam juntas para fazer descer sobre o mundo uma chuva de rosas. Nos escritos da clarissa madeirense deparamos uma referência que nos surpreende.

Durante a primeira Guerra Mundial, com Santa Teresinha já na eternidade, a Madre Virgínia é interpelada na mesma Fonte do Amor, a rezar e a acompanhar os soldados que se encontravam sob os horrores da guerra.

Foi assim que, em oração, a Madre Virgínia viu a Ir. Teresinha do Menino Jesus, a ajudar e a consolar, com “extremo carinho”, os soldados prestes a morrer no meio de grandes sofrimentos. Na derradeira indigência da fragilidade e limitação humanas – o sofrimento e a morte – as duas religiosas abrasadas pela mesma e ardente caridade, unem-se para prodigalizar cuidados e palavras de consolação aos infelizes soldados caídos no campo de batalha. Teresa, estando na glória, não esquece os sofrimentos dos seus irmãos. A humilde religiosa clarissa, ainda na terra, oferecendo todos os seus sofrimentos, orações e sacrifícios por todos os irmãos vivos e defuntos, partilha, com Cristo e com a sua terna Irmã do Carmelo, o admirável mistério da Redenção.


A Eucaristia – fonte de comunhão

A Eucaristia é o maior milagre do Amor que realiza de uma forma singular a admirável comunhão entre o céu e a terra. A caridade do Sangue de Cristo é fonte inesgotável de Vida em comunhão, que, nos santos, é intensamente testemunhada e revelada. Santa Teresinha do Menino Jesus e Madre Virgínia Brites da Paixão, configuradas com Cristo, não se distanciaram de nós pela irmã morte nem na contemplação da visão trinitária. Pelo contrário, vivem a verdadeira Vida e continuam connosco, louvando, intercedendo e derramando bênçãos divinas sobre o mundo.

A graça da visita das suas relíquias à nossa diocese do Funchal evoca a missão de passar o céu a fazer bem sobre a terra. Santa Teresinha traz um sorriso no olhar, um Cântico de Amor no coração e um recado urgente a todos os filhos da Igreja, em especial às crianças e aos jovens:

«Sede pequeninos e vivei o Evangelho. Não tenhais medo. Entregai-vos sem reservas ao Amor de Jesus Cristo!».

Ir. Maria da Cruz, osc
clarcaldeira@aeiou.pt

A Propósito

A Grandeza da Pequenez


São três os traços que podem caracterizar S. Teresinha do Menino Jesus, a jovem Santa Carmelita: Contemplativa, Padroeira das missões e Doutora da Igreja.

1. Contemplativa
Seguir os passos de Teresinha leva-nos a Jesus, nosso irmão. Através dela encontramos Jesus, a sua força e o seu amor.

2. Padroeira das missões
Teresinha enche-nos do Espírito Santo para que ousemos propor e anunciar a fé, aqui e agora.

3. Doutora da Igreja
Ela ajuda-nos, na vida do dia a dia, a redescobrir o rosto do Pai, cheio de misericórdia, ternura e perdão.

Além disso, Teresinha é uma Doutora muito jovem. Entre os Doutores da Igreja, S. Teresa do Menino Jesus e da Santa Face, é a mais jovem. Porém, o seu itinerário espiritual é cheio do Espírito Santo que se revela na sua maturidade. As intuições da fé, expressas nos seus escritos são tão vastas e tão profundas que a habilitam a tomar parte entre os grandes mestre espirituais.

«O Caminhinho», caminho de confiança e de entrega total de si mesma à graça de Deus é verdadeiramente exigente; aliás, como todo o Evangelho.
O seu «caminhinho» é uma via de abandono plenamente confiante na misericórdia divina, que torna mais fácil o compromisso espiritual mais rigoroso.

Teresa de Lisieux é uma santa que permanece jovem. Apesar dos anos, permanece jovem. E como tal propõe-se como modelo e guia para os cristãos do nosso tempo.

Em carta ao Padre Bellière, de 18 de Julho de 1897, escreve; «Quando eu estiver no porto ensinar-lhe-ei como deve navegar pelo alteroso mar do mundo, cheio daquela confiança e amor de criança que sabe que o seu pai a ama e jamais a abandonaria em hora de perigo. Ah!, como desejava fazer-lhe compreender a ternura do coração de Jesus e quando de si Ele espera!»



As Relíquias de S. Teresa de Lisieux

 

[...] Dentro de pouco — e ao longo destas datas jubilares — as relíquias de S. Teresinha viajarão — como já vem sucedendo desde há alguns anos —, por diferentes lugares e países. Por causa disso hão-de surgir alguns comentários mais ou menos infelizes: «Deixem S. Teresinha em paz...»; «Será mesmo necessário fazer esta maratona com o corpo duma defunta?...». Estas e outras opiniões geniais hão-de ser ditas, reditas e publicadas.
 

Descansar? Já dissemos atrás que Teresinha não pode fica quieta. Entre as novas aportações teológicas e espirituais que ela trouxe aos nossos tempos encontramos um que vira ao contrário as ideias que tínhamos sobre a vida depois da morte: A eternidade não é um sono agradável sem mais. Teresinha morreu aos 24 anos, mas a sua missão não estava terminada
 

«Não poderei descansar enquanto ainda houver uma alma por salvar.

Não penso ficar de braços cruzados no Céu.

O meu desejo é continuar a trabalhar pela Igreja e pelas almas.»

É o que ela anda a fazer há mais de cem anos. Ficar quieta? Isso não é para santa Teresinha!
 

Mas, e as relíquias? A Igreja sempre colocou nos altares os corpos dos mártires. E isso desde as origens... (Então, porque não haveríamos nós de as venerar?) Por outro lado, não é significativo que os fiéis mais simples jamais façam perguntas críticas sobre este particular? Será, talvez, apenas próprio das crianças e dos que se lhes parecem, conservar e venerar tudo o que lhes recorda aqueles a quem a amaram?
 

Em primeiro lugar o seu corpo. Basta ver a alegria de todos os ‘humildes’ em todos os lugares por onde passam os seus restos. É um sinal que não engana, visto que os pobres e os simples não costumam ter possibilidades de peregrinar até Lisieux.
 

É verdade que o verdadeiro lugar onde S. Teresinha repousa não é o seu caixão. Porém, a Igreja e os corações simples das pessoas que a elas dirigem as suas orações aceitam dela mesma a sua compaixão e oferecimento, pois ela deseja oferecer-nos a sua ajuda para salvação do mundo. Não devemos surpreender-nos que isto exista na Igreja, nem que existam tais pessoas nos lugares por onde passa o seu relicário.
 

Na verdade o veado sedento procura as águas frescas.

 


Godfried Danneels,
Cardeal-Arcebispo de Malines-Bruxelas

 


 

 

 
Site Oficial da visita das Relíquias da Santa Teresinha do Menino Jesus a Portugal